O Direito à
Revolução
Pierre Leroy
Hoje, vivemos num mundo que nos impõe a alienação
total da vida. O mundo capitalista nos rodeia, nos cerca, nos dirige, nos
sufoca. Poucos resistem. O que significa a resistência, a luta? Significa não
dobrar-se totalmente diante da alienação e da coisificação total da vida. Mas
mesmo o mais revolucionário dos indivíduos está preso ao mundo mercantil,
burocrático e competitivo que nos envolve. Aliás, o revolucionário sofre mais
do que qualquer outro indivíduo, pois ele tem a consciência das suas necessidades,
da sua insatisfação, da alienação. Um revolucionário é como Prometeu
acorrentado: não está apenas “preso” como as demais pessoas, mas está também
sendo cotidianamente ferido por um animal alado, ele não está apenas preso,
pois também sente a dor da consciência da prisão e da agressão que esta lhe
traz.
A luta, a resistência, é um direito autêntico dos
seres humanos. Os que não lutam são os que se acomodaram ao mundo. Eles sofrem
outros tipos de sofrimentos mas sofrem. O seu sofrimento não é causado pela
consciência da alienação mas pela alienação cotidiana que lhe é imposta. A luta
do revolucionário autêntico traz a consciência de sua alienação, mas ela
significa uma margem de liberdade. No modo de vida burocrático, mercantil, e,
consequentemente, fútil, de nossa sociedade, o único espaço para a liberdade é a práxis revolucionária. Esta,
entretanto, quando é feita em agrupamentos políticos que reproduzem no seu
interior o modo de vida burguês perde o seu caráter revolucionário e deixa de
representar para o indivíduo um espaço de liberdade. Uma associação
revolucionária só manteria o seu caráter revolucionário construindo uma nova
sociabilidade no seu interior, instaurando a solidariedade, a ajuda mútua, a
ação coletiva, a vontade revolucionária.
Sem dúvida, muitos gostam de ler os autores
revolucionários, mas poucos são aqueles que aceitam o desafio de executar uma
práxis revolucionária. Esta traz, obviamente, represálias, inveja, conflitos
cotidianos. A revolução não é coisa para
covardes. Os covardes que se dizem revolucionários só fazem discurso
pseudorrevolucionário nos “locais apropriados” e outros só o fazem quando lhes
é conveniente.
A revolução é, tanto para os revolucionários quanto
para os que não são conscientemente revolucionários, um direito autêntico, ou
seja, deve ser praticada. Se no reino da mercadoria e da burocracia existe a
alienação total, então existe também a insatisfação total. O que falta, esta é
a grande pergunta, para que esta insatisfação total se transforme em revolução
total?
A resposta deixa todos perplexos: um acontecimento
explosivo. Toda revolução foi desencadeada por um acontecimento (coletivo, ou
seja, que envolve vários indivíduos) explosivo e assim a revolução em estado
latente se manifestou ou em termos marxistas a guerra civil oculta se transformou em guerra civil aberta. Ele,
no entanto, só pode ocorrer devido as condições sociais, tanto a insatisfação
social quanto crises e situações que a aumentam, faltando apenas a faísca para
provocar o incêndio. Este acontecimento explosivo tem que ser significativo
para a população e, portanto, não inclui formação de guerrilhas nas zonas
rurais, que significa apenas o auto-isolamento de grupos vivendo de sua imagem
burocrática da revolução. O acontecimento explosivo, além de significativo,
para não ser uma faísca natimorta, pressupõe condições como a insatisfação e
seu aumento, que ocorre graças a processos sociais de intensificação da
exploração, miséria, etc., e/ou de sua consciência. Como já dizia o maior
profeta revolucionário de todos os tempos: é preciso acrescentar a consciência
da vergonha ou miséria para que elas se tornem explosivas e que o sentido da
transformação seja o construtivo e não o destrutivo.
Portanto, a tarefa do movimento revolucionário hoje
é, além do seu trabalho cotidiano, criar acontecimentos explosivos e as
condições necessárias para a efetivação da revolução proletária. Neste sentido,
tanto a ideia de um “detonador da revolução” dos marxistas esquerdistas, quanto
a ideia de “exemplo pela ação” são relativamente corretas. Apesar da
importância da luta cultural, a revolução não virá através do processo de “conscientização”.
Esta faz parte da luta de classes em geral e é uma das determinações do
processo de transformação radical da sociedade. Ela não serve apenas para
aumentar o número de indivíduos envolvidos diretamente com o movimento
revolucionário e sim para criar um processo de clarificação que expressa uma
consciência antecipadora que se torna fundamental atingindo as classes
exploradas e, consequentemente, aumenta as possibilidades de criação de
acontecimentos explosivos que poderão desencadear a revolução autogestionária.
Assim, o inconsciente coletivo torna-se
consciência revolucionária. O direito à revolução se manifesta, então, na
prática revolucionária e com sua
concretização se decreta o fim do reino da mercadoria, da burocracia e da
alienação. É neste momento que emerge um mundo novo, um mundo livre. Nasce,
desta forma, como já dizia Marx, o grande profeta revolucionário, o reino da liberdade ou, como disseram
outros profetas revolucionários, a autogestão.