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quarta-feira, 31 de outubro de 2018

A Traição do PT, segundo Ciro Gomes


A Traição do PT, segundo Ciro Gomes

Fomos miseravelmente traídos por Lula, não farei mais campanha para o PT, diz Ciro

Candidato derrotado nega que tenha traído partido de Lula e diz que foi convidado a ser vice do ex-presidente no lugar de Haddad


Gustavo Uribe
Fortaleza

Terceiro colocado na eleição presidencial, Ciro Gomes (PDT) afirmou, em entrevista à Folha, que foi "miseravelmente traído" pelo ex-presidente Lula e seus "asseclas".
Em seu apartamento, onde concedeu nesta terça-feira (30) sua primeira entrevista desde a eleição de Jair Bolsonaro (PSL), Ciro nega ter lavado as mãos ao ter viajado para a Europa depois do primeiro turno. "A gente trai quando dá a palavra e faz o oposto".
"Não declarei voto ao Haddad porque não quero mais fazer campanha com o PT", disse.
O pedetista critica a atuação do PT para impedir o apoio do PSB à sua candidatura e diz que considerou um insulto convite de Lula para assumir o papel de seu vice no lugar Fernando Haddad (PT).

No primeiro turno, o senhor afirmou que choraria e deixaria a política se Bolsonaro ganhasse. Deixará a vida pública?

Eu disse isso comovidamente porque um país que elege o Bolsonaro eu não compreendo tanto mais, o que me recomenda não querer ser seu intérprete. Entretanto, do exato momento que disse isso até hoje, ouvi um milhão de apelos de gente muito querida. E, depois de tudo o que acabou acontecendo, a minha responsabilidade é muito grande. Não sei se serei mais candidato, mas não posso me afastar agora da luta. O país ficou órfão.

E não tomou uma decisão se será candidato em 2022?

Não. Quem conhece o Brasil sabe que você afirmar uma candidatura a 2022 é um mero exercício de especulação, porque a adrenalina não pacificou. Só essa cúpula exacerbada do PT é que já começou a campanha de agressão. Eu não. Tenho sobriedade e modéstia. Acho que o país precisa se renovar.

O senhor disse que deixaria a vida pública porque a razão de estar na política é confiar no povo brasileiro. Deixou de confiar?

Não, procurei entender o que aconteceu. Esse distanciamento me permitiu isso. O que aconteceu foi uma reação impensada, espécie de histeria coletiva a um conjunto muito grave de fatores que dão razão a uma fração importante dessa maioria que votou no Bolsonaro. O lulopetismo virou um caudilhismo corrupto e corruptor que criou uma força antagônica que é a maior força política no Brasil hoje. E o Bolsonaro estava no lugar certo, na hora certa. Só o petismo fanático vai chamar os 60% do povo brasileiro de fascista. Eu não, de forma nenhuma.

Naquele momento do país, uma viagem à Europa não passou uma impressão de descaso? [Ciro viajou para Portugal, Itália e França após o 1º turno] 

Descaso não, rapaz, é de impotência. De absoluta impotência. Se tem um brasileiro que lutou, fui eu. Passei três anos lutando.

Com a sua postura de neutralidade, não lavou as mãos em um momento importante para o país?

Não foi neutralidade. Quem declara o que eu declarei não está neutro. Agora, o que estava dizendo, por uma razão prática, não iria com eles se fossem vitoriosos, já estaria na oposição. Mas estava flagrante que já estava perdida a eleição.

Por não ter declarado voto, não teme ser visto como um traidor pelos eleitores de esquerda?

A gente trai quando dá a palavra e faz o oposto. Quem tiver prestado a atenção no que falei, está muito clara a minha posição de que com o PT eu não iria.

Não se aliará mais ao PT?

Não, se eu puder, não quero mais fazer campanha para o PT. Evidente, você acha que eu votei em quem?


No Haddad?

Vou continuar calado, mas você acha que votei em quem com a minha história? Eles podem inventar o que quiserem. Pega um bosta como esse Leonardo Boff [que criticou Ciro por não declarar voto a Haddad]. Estou com texto dele aqui. Aí porque não atendo o apelo dele, vai pelo lado inverso. Qual a opinião do Boff sobre o mensalão e petrolão? Ou ele achava que o Lula também não sabia da roubalheira da Petrobras? O Lula sabia porque eu disse a ele que, na Transpetro, Sérgio Machado estava roubando para Renan Calheiros. O Lula se corrompeu por isso, porque hoje está cercado de bajulador, com todo tipo de condescendências.

Quem são os bajuladores?

É tudo. Gleisi Hoffmann, Leonardo Boff, Frei Betto. Só a turma dele. Cadê os críticos? Quem disse a ele que não pode fazer o que ele fez? Que não pode fraudar a opinião pública do país, mentindo que era candidato?

Por que o senhor não aceitou ser candidato a vice-presidente de Lula?

Porque isso é uma fraude. Para essa fraude, fui convidado a praticá-la. Esses fanáticos do PT não sabem, mas o Lula, em momento de vacilação, me chamou para cumprir esse papelão que o Haddad cumpriu. E não aceitei. Me considerei insultado.

Por que não declarou voto em Haddad? 

Aquilo era trivial. O meu irmão foi a um ato de apoio a Haddad, depois de tudo o que viu acontecendo de mesquinho, pusilânime e inescrupuloso. É muito engraçado o petismo ululante. É igual o bolsominion, rigorosamente a mesma coisa. O Cid está lá tentando elaborar uma fórmula de subverter o quadro e é vaiado. Estou devendo o que ao PT?

Não declarou voto no Haddad por causa do Lula?

Não declarei voto ao Haddad porque não quero mais fazer campanha com o PT. Agora, em uma eleição que tem só dois candidatos, na noite do primeiro turno, disse à imprensa: "Ele não". O que ele quer mais agora?

Cid Gomes cobrou uma autocrítica dos petistas. E quais foram os erros cometidos pelos pedetistas? 

Devemos ter cometido algum erro e merecemos a crítica. Mas, nesse contexto, simplesmente multiplicamos por um milhão as energias que nos restaram para trabalhar. Fomos miseravelmente traídos. Aí, é traição, traição mesmo. Palavra dada e não cumprida, clandestinidade, acertos espúrios, grana.

Isso por Lula?

Pelo ex-presidente Lula e seus asseclas. Você imagina conseguir do PSB neutralidade trocando o governo de Pernambuco e de Minas? Em nome de que foi feito isso? De qual espírito público, razão nacional, interesse popular? Projeto de poder miúdo. De poder e de ladroeira. O PT elegeu Bolsonaro.
Todas as pesquisas, não sou eu quem estou dizendo, dizem isso. O Haddad é uma boa pessoa, mas ele, jamais, se fosse uma pessoa que tivesse mais fibra, deveria ter aceito esse papelão. Toda segunda ir lá [visitar Lula], rapaz. Quem acha que o povo vai eleger pessoa assim? Lula nunca permitiu nascer ninguém perto dele. E eles empurram para a direita, que é o querem fazer comigo.

A postura do senhor não inviabiliza uma reaglutinação das siglas de esquerda?

Não quero participar dessa aglutinação de esquerda. Isso sempre foi sinônimo oportunista de hegemonia petista. Quero fundar um novo campo, onde para ser de esquerda não tem de tapar o nariz com ladroeira, corrupção, falta de escrúpulo, oportunismo. Isso não é esquerda. É o velho caudilhismo populista sul-americano.

A liberdade de imprensa está ameaçada?

É muito epidérmica a nossa sensibilidade. Não acho que tem havido nenhuma ameaça à liberdade de imprensa até aqui. Por isso que digo que uma das centralidades do mundo político brasileiro deveria ser um entendimento amplo o suficiente para cumprir a guarda da institucionalidade democrática. E um dos elementos centrais disso é a liberdade de imprensa. A imprensa brasileira nepotista e plutocrata como é parte responsável também por essa tragédia.

A imprensa ajudou a eleger Bolsonaro?

A arrogância do [William] Bonner achando que podia tutelar a nação brasileira, falar pela nação brasileira. A Folha que repercute uma calúnia contra uma cidade inteira que é reconhecida mundialmente como um elemento de referência de educação para me alcançar [Ele se refere a reportagem sobre relatos de estudantes de fraudes em avaliações nas escolas de Sobral, no Ceará].

E os ataques feitos pelo Bolsonaro à Folha? É uma ameaça?

Não considero, não. A Folha tem capacidade de reagir a isso e precisa ter também um pouco de humildade, de respeitar a crítica dos outros.


domingo, 21 de outubro de 2018

Uso banalizado do termo fortalece o fascismo, afirma historiador italiano


Uso banalizado do termo fortalece o fascismo, afirma historiador italiano


Para especialista, mau emprego da palavra atrai 'desgraçados em busca de respostas simples'

Entrevista

Débora Sögur Hous 

Francesca Angiolillo     


"Usar demais a palavra 'fascismo' não cria reação hostil a ele, mas, ao contrário, o torna fascinante para tantos desgraçados em busca de respostas simples. Quem se apropria dessa palavra arrisca ampliar o neofascismo, em vez de combatê-lo", diz Emilio Gentile, 72.

Professor aposentado da Universidade de Roma - La Sapienza, o historiador é o principal especialista italiano em fascismo. Ele fala das semelhanças e diferenças entre a ideologia de Mussolini e os populismos de direita. "Eu brincava com os alunos: se a violência é fascista, o primeiro fascista foi Caim, quando matou Abel. Mas assim não se entende nada da realidade de hoje."

emilio
O historiador italiano Emilio Gentile - Divulgação


O que define o fascismo?  

O fascismo foi um partido armado que conquistou o poder e instaurou um regime totalitário, com o objetivo de desenvolver uma política imperialista de expansão territorial colonial. Depois de 1938, no caso italiano, somou-se a isso uma política racista e antissemita oficial. Sem essas características, o termo pode indicar qualquer forma de nacionalismo autoritário, mas perde-se o aspecto específico, histórico.

Então não seria correto usar o termo "fascismo" para ideologias de extrema direita?  

Não, porque houve ideologias de extrema direita nacionalistas e racistas antes do fascismo. Se tudo se torna fascismo, não se entendem os acontecimentos.

Sobretudo, sou contrário ao uso genérico porque não permite entender fenômenos novos que ocorrem hoje nas democracias e que, com o fascismo, só têm em comum algumas características —o uso da violência, a discriminação contra estrangeiros.

Há outro elemento. O fascismo, mesmo se no início utilizou o voto, depois suprimiu a soberania popular. Já os populistas, como o próprio termo diz, se apoiam no voto e governam não com a violência, mas com o consentimento da maioria.

Jair Bolsonaro é um representante dessa extrema direita?  

Até onde sei, ele exprime uma concepção autoritária, militarista e violenta da política. Se é de extrema direita, precisaria ver também o quanto alavanca a exaltação nacionalista. Pelo que vi, isso não é muito presente.

Acredito que o que esteja ocorrendo não seja tanto uma escolha da maioria por uma extrema direita autoritária e militar quanto a falência de uma política que deu muitas esperanças de um milagre brasileiro nas últimas décadas.

Há esse problema mais grave, que é o país não ter conseguido, nem nos anos Lula, erradicar o poder oligárquico. Todas as democracias hoje sofrem dessa crescente desigualdade entre a minoria que tem cada vez mais e a maioria que vive em más condições.

Isso é mais acentuado num país como o Brasil, onde também a diversidade social ficou, por muito tempo, alijada do progresso. Na Europa e nos EUA, é a classe média que sofre a decadência e, por ironia, escolhe milionários para resolver seus problemas.

O candidato do PSL lidera a pesquisa em quase todos os segmentos sociais, inclusive na classe média.  

É nesse sentido que penso que se possa falar de populismo, movimento que se dirige a todas as classes, enquanto o fascismo se dirigia à classe média e atacava o proletariado, dizendo que devia submeter-se ao poder das camadas médias.

O fascismo negava a soberania popular, a nova direita chega pelo voto. Estamos falando do suicídio da democracia?  

A democracia é um método para escolher governantes por meio de eleições periódicas, que deveriam ser livres e pacíficas. Mas o método não garante a tutela das minorias nem a escolha dos melhores. Por meios democráticos podem ser eleitos os piores.

Infelizmente, é o suicídio da democracia como regime que garante a todos as condições para desenvolver sua personalidade com liberdade e dignidade. Mas esse é um ideal de democracia. Uma democracia pode ser racista, porque, com a maioria, pode-se negar o direito à minoria. É o que acontece em países da Europa Oriental e na Rússia. A democracia não é boa em si.

Para Bolsonaro e seus apoiadores, minorias não devem ter tratamento diferenciado, mas todos devem ser tratados da mesma forma.  

A democracia deve garantir a igualdade na diversidade. Na melhor tradição ocidental, a democracia não é o governo que garante a maioria, mas o que consente à minoria se tornar maioria.

O equívoco é acreditar que, na democracia, o povo é sempre soberano. Muito frequentemente o que se chama democracia é o que chamo "democracia recitativa" [de "recita", encenação; democracia de fachada].

Tudo se desenrola como se fosse de fato uma democracia. Há eleições, candidatos e a maioria escolhe seus representantes. Mas é uma encenação. Porque não há as outras condições para que haja a democracia como descrita na Declaração Universal dos Direitos Humanos —além da soberania do povo, o respeito individual aos cidadãos, independentemente de sexo, religião e etnia.

Que fatores levaram a essa crise da democracia, que desconhece fronteiras?  

A Freedom House, que estuda a saúde da democracia no mundo, há 12 anos assinala a decadência do regime, com base numa série de fatores. Primeiro, o custo da democracia se acentuou, por isso muitas vezes só milionários podem competir nas eleições.

Em segundo lugar, a democracia pressupõe, desde a Grécia antiga, equidade social. Não a igualdade, mas não haver uma divergência cada vez maior entre a minoria com a maior parte das riquezas e a maioria pobre. Desde 2008, com a crise, ricos ficaram mais ricos, e desemprego e pobreza se alastraram. Isso leva à descrença na democracia.

O terceiro é que as democracias sofrem a corrupção da classe política, que fomenta essa descrença.

Em todas as pesquisas, mesmo em democracias tradicionais, como França e EUA, a fé nas instituições fica abaixo dos 20%, às vezes 10%. A democracia não goza mais da confiança do cidadão por não garantir igualdade social. Não é minha opinião, é o que os povos dizem. É curioso, não dizem que as democracias são fracas, mas mentirosas.

Isso faz com que se veja a ditadura como possibilidade?  

Infelizmente, sim. Há esse mito do homem forte. A linguagem política se torna vulgar e violenta porque parece manifestação da sinceridade. Os espetáculos de massas exaltam a virilidade, a beleza. Isso cria mitos que levam a ver quem fala de modo violento como sincero.

É o maior mal da democracia e não nasce da oposição a ela, mas do gosto, nela, pelo assalto ao adversário.

Quando se aceita a linguagem da violência como uma linguagem da democracia, não há mais freio para comportamentos violentos. Se houvesse fascismo, um inimigo que quer abolir a democracia, haveria maior capacidade de resistência.

O perigo está no fato de essa onda vir de dentro da democracia.  

Exatamente. Esses movimentos não destruirão os outros partidos, mas darão um jeito de eles não serem maioria. Se tiram o seu ar, você reage, porque sufoca. Mas, se o ar estiver poluído, você absorve o veneno pouco a pouco.

Essa é a democracia de fachada, que envenena a capacidade dos cidadãos de reconhecerem a perda da liberdade. Vamos à democracia como ao teatro; paga-se o ingresso, vota-se; mas, depois, o que os diretores e atores fazem não é o que escolhemos.