A Traição do PT, segundo Ciro Gomes
Fomos miseravelmente traídos por Lula, não
farei mais campanha para o PT, diz Ciro
Candidato derrotado nega que tenha traído partido de Lula e diz que foi
convidado a ser vice do ex-presidente no lugar de Haddad
Gustavo
Uribe
Fortaleza
Terceiro colocado na eleição presidencial, Ciro
Gomes (PDT) afirmou, em entrevista à Folha, que foi "miseravelmente
traído" pelo ex-presidente Lula e seus "asseclas".
Em seu apartamento, onde concedeu nesta terça-feira
(30) sua primeira entrevista desde a eleição de Jair Bolsonaro (PSL), Ciro nega
ter lavado as mãos ao ter viajado para a Europa depois do primeiro turno.
"A gente trai quando dá a palavra e faz o oposto".
"Não declarei voto ao Haddad porque não quero
mais fazer campanha com o PT", disse.
O pedetista critica a atuação do PT para impedir o
apoio do PSB à sua candidatura e diz que considerou um insulto convite de Lula
para assumir o papel de seu vice no lugar Fernando Haddad (PT).
No primeiro turno, o senhor
afirmou que choraria e deixaria a política se Bolsonaro ganhasse. Deixará a
vida pública?
Eu disse isso comovidamente porque um país que
elege o Bolsonaro eu não compreendo tanto mais, o que me recomenda não querer
ser seu intérprete. Entretanto, do exato momento que disse isso até hoje, ouvi
um milhão de apelos de gente muito querida. E, depois de tudo o que acabou
acontecendo, a minha responsabilidade é muito grande. Não sei se serei mais
candidato, mas não posso me afastar agora da luta. O país ficou órfão.
E não tomou uma decisão se será
candidato em 2022?
Não. Quem conhece o Brasil sabe que você afirmar
uma candidatura a 2022 é um mero exercício de especulação, porque a adrenalina
não pacificou. Só essa cúpula exacerbada do PT é que já começou a campanha de
agressão. Eu não. Tenho sobriedade e modéstia. Acho que o país precisa se renovar.
O senhor disse que deixaria a
vida pública porque a razão de estar na política é confiar no povo brasileiro.
Deixou de confiar?
Não, procurei entender o que aconteceu. Esse
distanciamento me permitiu isso. O que aconteceu foi uma reação impensada, espécie
de histeria coletiva a um conjunto muito grave de fatores que dão razão a uma
fração importante dessa maioria que votou no Bolsonaro. O lulopetismo virou um
caudilhismo corrupto e corruptor que criou uma força antagônica que é a maior
força política no Brasil hoje. E o Bolsonaro estava no lugar certo, na hora
certa. Só o petismo fanático vai chamar os 60% do povo brasileiro de fascista.
Eu não, de forma nenhuma.
Naquele momento do país, uma viagem
à Europa não passou uma impressão de descaso? [Ciro viajou para Portugal,
Itália e França após o 1º turno]
Descaso não, rapaz, é de impotência. De absoluta
impotência. Se tem um brasileiro que lutou, fui eu. Passei três anos lutando.
Com a sua postura de
neutralidade, não lavou as mãos em um momento importante para o país?
Não foi neutralidade. Quem declara o que eu
declarei não está neutro. Agora, o que estava dizendo, por uma razão prática,
não iria com eles se fossem vitoriosos, já estaria na oposição. Mas estava
flagrante que já estava perdida a eleição.
Por não ter declarado voto, não
teme ser visto como um traidor pelos eleitores de esquerda?
A gente trai quando dá a palavra e faz o oposto.
Quem tiver prestado a atenção no que falei, está muito clara a minha posição de
que com o PT eu não iria.
Não se aliará mais ao PT?
Não, se eu puder, não quero mais fazer campanha
para o PT. Evidente, você acha que eu votei em quem?
No
Haddad?
Vou
continuar calado, mas você acha que votei em quem com a minha história? Eles
podem inventar o que quiserem. Pega um bosta como esse Leonardo Boff [que
criticou Ciro por não declarar voto a Haddad]. Estou com texto dele aqui. Aí
porque não atendo o apelo dele, vai pelo lado inverso. Qual a opinião do Boff
sobre o mensalão e petrolão? Ou ele achava que o Lula também não sabia da
roubalheira da Petrobras? O Lula sabia porque eu disse a ele que, na
Transpetro, Sérgio Machado estava roubando para Renan Calheiros. O Lula se
corrompeu por isso, porque hoje está cercado de bajulador, com todo tipo de
condescendências.
Quem são os bajuladores?
É tudo. Gleisi Hoffmann, Leonardo Boff, Frei Betto.
Só a turma dele. Cadê os críticos? Quem disse a ele que não pode fazer o que
ele fez? Que não pode fraudar a opinião pública do país, mentindo que era
candidato?
Por que o senhor não aceitou ser
candidato a vice-presidente de Lula?
Porque isso é uma fraude. Para essa fraude, fui
convidado a praticá-la. Esses fanáticos do PT não sabem, mas o Lula, em momento
de vacilação, me chamou para cumprir esse papelão que o Haddad cumpriu. E não
aceitei. Me considerei insultado.
Por que não declarou voto em
Haddad?
Aquilo era trivial. O meu irmão foi a um ato de
apoio a Haddad, depois de tudo o que viu acontecendo de mesquinho, pusilânime e
inescrupuloso. É muito engraçado o petismo ululante. É igual o bolsominion,
rigorosamente a mesma coisa. O Cid está lá tentando elaborar uma fórmula de
subverter o quadro e é vaiado. Estou devendo o que ao PT?
Não declarou voto no Haddad
por causa do Lula?
Não declarei voto ao Haddad porque não quero mais
fazer campanha com o PT. Agora, em uma eleição que tem só dois candidatos, na
noite do primeiro turno, disse à imprensa: "Ele não". O que ele quer
mais agora?
Cid Gomes cobrou uma autocrítica
dos petistas. E quais foram os erros cometidos pelos pedetistas?
Devemos ter cometido algum erro e merecemos a
crítica. Mas, nesse contexto, simplesmente multiplicamos por um milhão as
energias que nos restaram para trabalhar. Fomos miseravelmente traídos. Aí, é
traição, traição mesmo. Palavra dada e não cumprida, clandestinidade, acertos
espúrios, grana.
Isso por Lula?
Pelo ex-presidente Lula e seus asseclas. Você
imagina conseguir do PSB neutralidade trocando o governo de Pernambuco e de
Minas? Em nome de que foi feito isso? De qual espírito público, razão nacional,
interesse popular? Projeto de poder miúdo. De poder e de ladroeira. O PT elegeu
Bolsonaro.
Todas as pesquisas, não sou eu quem estou dizendo,
dizem isso. O Haddad é uma boa pessoa, mas ele, jamais, se fosse uma pessoa que
tivesse mais fibra, deveria ter aceito esse papelão. Toda segunda ir lá
[visitar Lula], rapaz. Quem acha que o povo vai eleger pessoa assim? Lula nunca
permitiu nascer ninguém perto dele. E eles empurram para a direita, que é o
querem fazer comigo.
A postura do senhor não
inviabiliza uma reaglutinação das siglas de esquerda?
Não quero participar dessa aglutinação de esquerda.
Isso sempre foi sinônimo oportunista de hegemonia petista. Quero fundar um novo
campo, onde para ser de esquerda não tem de tapar o nariz com ladroeira,
corrupção, falta de escrúpulo, oportunismo. Isso não é esquerda. É o velho
caudilhismo populista sul-americano.
A liberdade de imprensa está
ameaçada?
É muito epidérmica a nossa sensibilidade. Não acho
que tem havido nenhuma ameaça à liberdade de imprensa até aqui. Por isso que
digo que uma das centralidades do mundo político brasileiro deveria ser um
entendimento amplo o suficiente para cumprir a guarda da institucionalidade
democrática. E um dos elementos centrais disso é a liberdade de imprensa. A
imprensa brasileira nepotista e plutocrata como é parte responsável também por
essa tragédia.
A imprensa ajudou a eleger
Bolsonaro?
A arrogância do [William] Bonner achando que podia
tutelar a nação brasileira, falar pela nação brasileira. A Folha que
repercute uma calúnia contra uma cidade inteira que é reconhecida mundialmente
como um elemento de referência de educação para me alcançar [Ele se refere a
reportagem sobre relatos de estudantes de fraudes em avaliações nas
escolas de Sobral, no Ceará].
E os ataques feitos pelo Bolsonaro
à Folha? É uma ameaça?
Não considero, não. A Folha tem capacidade
de reagir a isso e precisa ter também um pouco de humildade, de respeitar a
crítica dos outros.