O ANTIFASCISMO É O PIOR PRODUTO
DO FASCISMO
Jean Barrot
Desde que o regime fascista surgiu,
no período entre as duas guerras mundiais, o termo “fascismo” tem se mantido em
voga. Qual grupo político não acusou seus adversários de usar “métodos
fascistas”? A esquerda nunca parou de denunciar o fascismo ressurgente, a
direita por sua vez insistia rotulando o PCF como o “Partido Fascista”.
Significando tudo e nada, a palavra foi perdendo significado a partir do
momento em que os liberais de todos os países passaram a identificar todo e
qualquer Estado forte como fascista.
As ilusões dos fascistas dos anos
30 ressurgem e são apresentadas como realidade, nos dias de hoje. Na Espanha,
Franco pretendia ser tão fascista quanto seus mentores, Hitler e Mussolini, mas
o fato é que nunca houve uma internacional fascista. Os coronéis gregos e
generais chilenos são chamados de fascistas, mas eles apenas representam
variantes ditatoriais do Estado capitalista. Intitular de fascista o Estado é o
mesmo que acusar os partidos que o governam. Assim, não se critica o Estado, só
se denunciam aqueles que o dirigem. Os esquerdistasA
tentam parecer radicais fazendo alvoroço em torno do fascismo, mas rejeitam a crítica
ao Estado. Na prática, limitam-se a propor outra forma de Estado (democrática
ou popular) em substituição à atual, qualquer que seja ela.
O termo “fascista” é ainda menos
relevante nos países capitalistas desenvolvidos, onde os partidos comunistas e
socialistas pretendem desempenhar um papel central no futuro. No discurso
esquerdista, Estado “fascista” é todo aquele que reage contra o movimento
revolucionário. Ora, neste caso, é muito mais correto falar de Estado pura e
simplesmente e deixar o fascismo fora disso.
Há um aspecto sob o qual o fascismo
triunfou e seus objetivos foram, em geral e ainda que por outros meios,
alcançados: a unificação do Capital e a eficiência do Estado. Mas a verdade é
que o fascismo desapareceu como movimento político e como forma de Estado.
Apesar de algumas semelhanças, os partidos hoje considerados fascistas já não
almejam, desde 1945, conquistar um Estado frágil de fora para dentro[1].
Insistir com a ameaça do fascismo é
ignorar o fato de que o fascismo revelou-se despreparado para a tarefa, que
assumiu, mas não realizou. Assim, por exemplo, em vez de fortalecer o capital
alemão, o nazismo terminou dividindo-o em dois Estados. Durante a segunda
guerra mundial, a polarização fascista/antifascista foi enriquecida com novos elementos.
Do ponto de vista do capital, a guerra entre dois blocos imperialistas era,
mais uma vez, a solução necessária para os problemas econômicos (crash de 1929) e sociais (a classe
operária – rebelde, ainda que não revolucionária – tinha de ser subjugada).
Deste modo, a segunda guerra mundial é mistificada como uma guerra contra o
totalitarismo, na forma de fascismo. Esta é a versão que permanece.
A constante lembrança, por parte
dos imperialismos vitoriosos de 1945, dos crimes nazistas serve para justificar
a guerra, dando-lhe o caráter de cruzada humanitária na qual tudo, mesmo a
bomba atômica, pode ser admitido para derrotar tão bárbaro inimigo. Esta
interpretação não é, entretanto, mais digna de crédito do que a demagogia dos
nazistas, que diziam lutar contra o capitalismo e a plutocracia ocidental.
O bloco democrático incluía um
Estado tão totalitário e violento quanto a Alemanha de Hitler: a União “Soviética”
de Stálin, cujo código penal prescrevia a pena de morte para os infratores de
12 anos de idade. Em suas colônias, os governos democráticos utilizavam métodos
similares de terror e extermínio sempre que achassem necessários. O ocidente
esperou a guerra fria para denunciar a existência dos campos de prisioneiros na
URSS. Mas cada país capitalista tem que lidar com seus problemas. A Inglaterra
não enfrentou uma guerra como a da Argélia. Os EUA não tiveram de organizar
campos de concentração[2], mas desencadearam uma
guerra colonial no Vietnam. A União “Soviética”, cujo Gulag foi denunciado no mundo
inteiro, concentrou em algumas décadas os horrores cometidos durante séculos
nos mais velhos países capitalistas, horrores que também resultaram em milhões
de vítimas, basta lembrar a escravidão dos negros e o extermínio dos índios.
Ao longo da história, o
desenvolvimento do capital tem certas consequências, entre as quais: 1)
opressão mais ou menos brutal dos trabalhadores, que inclui a eliminação
física; 2) competição com outros capitais nacionais, frequentemente resultando
em guerra. Quando o Estado é administrado pelos “partidos dos trabalhadores”,
apenas uma coisa muda: a demagogia trabalhista é mais evidente, mas os
trabalhadores não serão poupados da repressão mais severa, se esta for
necessária para o bom andamento dos negócios. O triunfo do capital nunca é
completo, a não ser quando os trabalhadores se mobilizam por uma “vida melhor”.
A pretexto de defender os
proletários dos “excessos do capital”, o antifascismo apoia a intervenção do
Estado. O antifascismo tem sido o campeão do Estado forte. Assim, por exemplo,
o PCF (Partido “Comunista” Francês) nos pergunta: “Que espécie de Estado é
necessário na França de hoje?... O nosso Estado é estável e forte, como o
presidente da república diz? Não, ele é fraco, é impotente para tirar o país da
crise política e social na qual está atolado. Na verdade, o presidente da
república está encorajando a desordem”[3].
Ambas, ditadura e democracia
propõem o fortalecimento do Estado, como uma questão de princípio. Com o
pretexto de nos proteger, mudam os estilos mas o objetivo é sempre o mesmo: “de
cima para baixo”, com os ditadores, ou “de baixo para cima”, com os democratas,
o capitalismo se mantém. Então, comparando ditadura e democracia, poderíamos
falar de uma luta entre duas facções sociologicamente diferentes do capital?
Não. Simplesmente, estamos diante de dois diferentes métodos de arregimentação
do proletariado: pela força, reprimindo-o; ou assimilando-o, através de “suas”
próprias organizações.
O capital opta por uma dessas
soluções, de acordo com as exigências do momento. Na Alemanha, depois de 1918,
a social-democracia e os sindicatos eram indispensáveis para assimilar os
trabalhadores e isolar os revolucionários. Depois de 1929, a Alemanha tinha de
concentrar sua indústria, minimizar a dispersão da classe média e unificar a
burguesia. O movimento operário tradicional, a social-democracia, que dependia
do pluralismo político e defendia os interesses imediatos dos trabalhadores, tornou-se
um peso morto para o capital.
As “organizações dos trabalhadores”
apoiavam firmemente o capitalismo, seja porque já não eram ou porque nunca
tinham sido autônomas. Desempenharam um efetivo papel contrarrevolucionário, em
1918-21, contribuindo decisivamente para a derrota da revolução proletária na
Alemanha. Em 1920, essas organizações deram o primeiro exemplo de antifascismo contrarrevolucionário
(antes mesmo do surgimento do fascismo, na Itália)[4].
Mais tarde, a hipertrofia das
organizações social-democratas, na sociedade e no Estado, exasperou o
conservadorismo social, o malthusianismo econômico, e elas foram eliminadas.
Mas a social-democracia preencheu uma função abertamente contrarrevolucionária
em 1918-1921, ao defender a manutenção do trabalho assalariado. Foi por isso
que se tornou necessária para representar os interesses imediatos dos
assalariados, ainda que, mais tarde, viesse a dificultar a reorganização do capital
como um todo.
O nazismo tinha como objetivo a
destruição violenta do movimento dos trabalhadores, contrariamente aos partidos
fascistas de hoje. Esta é a diferença crucial. A social-democracia, que havia
cumprido muito bem sua função de domesticar os trabalhadores, ocupava uma
posição importante no Estado, mas era incapaz de unificar a Alemanha. Essa foi
a tarefa do nazismo, que soube como atrair e subjugar todas as classes e
camadas sociais, dos proletários desempregados ao capital monopolista.
No Chile de Allende, a Unidade
Popular conseguiu integrar os trabalhadores, mas sem reunir a nação inteira
atrás de si. Mesmo assim, tornou-se necessário subjugá-los pela força. No
entanto, até novembro de 1975, não houve nenhuma repressão massiva. Se Allende
proclamou a “Revolução na Legalidade”, não foi para levar ao poder os
trabalhadores ou porque as organizações democráticas quisessem evitar o golpe
de Estado da direita. Os partidos de esquerda e sindicatos jamais conseguiram
evitar qualquer coisa semelhante, exceto quando o golpe de Estado era
prematuro, como o de Kapp, na Alemanha de 1920. Se não houve terror branco em
Portugal, foi por falta de necessidade, pois o Partido Socialista conseguiu
unificar a sociedade como um todo atrás de si.
Quer se admita ou não, o
antifascismo tem sido a forma necessária para a colaboração entre trabalhadores
e burgueses reformistas. O antifascismo os une afirmando representar o
verdadeiro ideal da revolução burguesa, traída pelo capital. A democracia é
considerada como um embrião de socialismo, já presente na sociedade
capitalista. E o socialismo é representado como a plena democracia. A luta pelo
socialismo consistiria em obter o máximo de direitos democráticos dentro do
capitalismo. Com a ajuda do espantalho fascista, o gradualismo democrático é
revitalizado.
A democracia é uma das formas
políticas do capital. Sua expansão, neste século, aumentou o isolamento dos
indivíduos. Nascida como solução ilusória para o problema da alienação na
sociedade, a democracia é impotente para resolver o problema da mais alienada
das sociedades, em toda a história, a sociedade capitalista. O antifascismo só
consegue viabilizar o totalitarismo, na medida em que sua luta por um Estado
democrático se resume ao fortalecimento do Estado, pura e simplesmente.
Por vários motivos, as críticas dos
revolucionários ao fascismo e ao antifascismo – em particular, as que se
referem à guerra civil espanhola – são ignoradas, mal entendidas e mesmo
intencionalmente distorcidas. Na melhor das hipóteses, são consideradas
abstratas; na pior, uma contribuição ao fascismo. Assim, o discurso
antifascista veicula que: a) o PCI ajudou Mussolini por não levar o fascismo a
sério e, especificamente, por não se aliar com as forças democráticas; b) o KPD
facilitou a tomada do poder por Hitler, ao tratar o SPD como o inimigo
principal; c) na Espanha, pelo contrário, teríamos um exemplo de luta
antifascista, que poderia ter sido bem sucedida se não fossem as deficiências
dos stalinistas (ou: socialistas, anarquistas, etc. – a escolher, segundo a preferência de cada um).
Ora, esses argumentos se baseiam numa completa distorção dos fatos.
http://redelp.net/revistas/index.php/rma/article/view/9gbarrot4/330
A “Esquerdista”, aqui, significa
“progressista”, ou seja, a suposta esquerda oficial, parlamentar ou mesmo a
suposta extrema-esquerda, ou seja, progressistas moderados e extremistas.
[1] Na
França, por exemplo, o RPF (Reagrupamento do Povo Francês), o partido do
general De Gaulle, de 1947 a 1952.; o poujadismo, movimento pequeno-burguês de
direita, na quarta república; e, finalmente, o RPR (Reagrupamento pela
República), partido gaullista na época em que foi redigido este texto.
[2] Nos EUA, cerca de 100.000
(cem mil) japoneses foram internados em campos de concentração, durante a
segunda guerra mundial. O Estado ianque não considerou necessário
exterminá-los.
[3] Humanité, 6 de março de
1972.
[4] O golpe de Kapp, em 1920,
foi derrotado por uma greve geral. Mas a insurreição proletária nas minas do
Ruhr, que eclodiu imediatamente após e pretendia ir além do apoio à democracia,
foi imediatamente reprimida pelo Estado, que utilizou as mesmas tropas que
haviam sustentado o golpe de Kapp...
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