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terça-feira, 19 de novembro de 2019

Precarização e insatisfação dos trabalhadores europeus

Falta de garantias em novos empregos alimenta insatisfação de trabalhadores na Europa

O desemprego europeu está em seu nível mais baixo em uma geração, mas persistem queixas por falta de benefícios e de segurança.

Daniel Michaels Paul Hannon
Nova York | The Wall Street Journal

O mercado de trabalho da Europa está se expandindo. Por que tantos trabalhadores estão zangados, então?

O desemprego na Europa está em seu patamar mais baixo em uma geração. Há 10 milhões a mais de pessoas empregadas hoje do que antes da crise financeira, uma década atrás.

A demanda por trabalhadores continua forte, com mais oportunidades de emprego disponíveis do que em qualquer momento do passado, em toda a União Europeia. Dos 22 países da União Europeia onde há um salário mínimo em vigor, todos exceto a Letônia decretaram aumentos do salário mínimo este ano.

Mas por trás dos números está uma virada que está mudando a Europa. Proporção crescente dos empregos novos é de período parcial, temporária ou representa trabalho autônomo desprovido dos benefícios que os trabalhadores europeus há muito se acostumaram a ter.

No ano passado, 14,2% dos empregos na Europa eram temporários, ante apenas 4% nos Estados Unidos – o que deixa muitos trabalhadores desprovidos de seguros, aposentadoria ou benefícios médicos.

O resultado é um avanço no número de europeus que estão empregados e ainda assim enfrentam dificuldade para manter as contas em dia, enquanto assistem à melhora das vidas de outras pessoas.

“Estão sendo criados empregos, mas esses empregos são muito ruins”, disse Victor Gerardo Ponce Arevalo, um soldador espanhol que teve de deixar de pagar sua hipoteca em 2014, durante a crise do euro, perdeu a casa e agora vive com as duas filhas em um projeto de habitação pública subsidiado.
A proporção de trabalhadores da zona do euro em risco de recair na pobreza subiu a 9,2% em 2018 (depois de atingir um pico de 9,5% em 2016), ante 7,9% em 2007.

Mais de 15 milhões de europeus enfrentam empregos precários, e cortes em seus benefícios desemprego e nos programas sociais dos governos, causados pela crise financeira. Na Espanha, Grécia, Itália e outros países da Europa Ocidental, essa crescente instabilidade alimentou o entusiasmo por movimentos políticos marginais e esvaziou o apoio dos partidos sociais-democratas que representaram os sindicatos por décadas.

Na França, o movimento dos coletes amarelos, que abalou o governo por meses, foi deflagrado no ano passado pela ira dos trabalhadores sobre a alta no custo de vida, o que inclui um aumento no imposto sobre a gasolina que tornou as viagens de casa para o trabalho e vice-versa mais caras.
O emprego dele – uma posição que no passado o teria colocado no rumo de um carreira estável – foi obtido por meio de uma agência de emprego temporário, e trazia o risco de ser cancelado em curto prazo. Na Europa, empregos como esses raramente servem como ponto de partida para o trabalho definitivo ou em período integral, como pode acontecer nos Estados Unidos.

“Não posso fazer planos”, disse Perrotin, que vive em um apartamento de um quarto com seu filho de dois anos.

A mãe de Perrotin, que vive confortavelmente no sopé dos Alpes, jamais imaginou que seu filho teria dificuldade para encontrar um emprego firme. Ela participou dos protestos dos coletes amarelos no ano passado.

A crescente insegurança no emprego que existe na Europa está mudando um continente um dia conhecido por seus direitos trabalhistas sólidos e por um desemprego persistentemente alto. Para as companhias, a flexibilidade crescente na contratação, nos últimos anos, ajudou a reforçar os lucros ou limitar os prejuízos. Durante a crise financeira, isso foi crítico para a sobrevivência de muitas delas. Os economistas apelaram por muito tempo por normas trabalhistas mais flexíveis, a fim de recolocar a economia europeia no caminho do crescimento.

Ao mesmo tempo, a demanda morna da parte dos consumidores deixou a zona do euro dependente de exportações. Depois que as exportações começaram a perder força, este ano, o Banco Central Europeu (BCE) decidiu reiniciar seus programas de estímulo econômico.

O impacto da ascensão do emprego “atípico” na Europa – temporário, de tempo parcial ou outras formas legais de emprego não associadas a um percurso tradicional de carreira – vai além do consumo. Pessoas que trocam frequentemente de emprego ou trabalham apenas alguns dias por semana em geral recebem menos treinamento e menos promoções do que os trabalhadores de período integral dotados de contratos de trabalho de longo prazo, o que limita o avanço da produtividade e as perspectivas de renda.

A dependência maior de trabalhadores temporários na Europa, ante a situação dos Estados Unidos, também expõe as diferenças estruturais entre as duas economias. Ainda que os governos europeus tenham reduzido os obstáculos para a contratação de trabalhadores de período integral, as demissões ainda requerem pagamento de indenizações dispendiosas, o que representa um desincentivo para as companhias europeias na hora de contratar trabalhadores permanentes e de período integral. Nos Estados Unidos, os planos de saúde estão em geral vinculados ao emprego, enquanto na Europa são universais, o que significa que os trabalhadores americanos têm mais incentivo para buscar empregos permanentes de acordo com o Conference Board, um instituto de pesquisa empresarial do Estados Unidos.

A mudança da situação trabalhista na Europa Ocidental vem acontecendo em paralelo com o colapso do equilíbrio político que perdurava há seis décadas na região, sob o qual partidos ligeiramente à direita ou à esquerda do centro se alternavam no poder, ou governavam em coalizão. Isso foi substituído em muitos países por uma instabilidade política que não se via desde a década de 1930.
“Os trabalhadores que perdem a segurança no emprego e as aposentadorias se sentem traídos”, disse Charles Verhoef, presidente da Zelfstandigen Bouw, uma organização sem fins lucrativos que ajuda os operários de construção da Holanda que perderam seus empregos de período integral a se tornarem empreiteiros e trabalhadores autônomos. “Eles sentem não ter coisa alguma a perder e começam a recorrer ao voto de protesto”.

Os trabalhadores temporários em muitos casos favorecem pequenos partidos de inclinação esquerdista que promovem programas como seguro-desemprego e creches, disse Paul Marx, professor de ciência política na Universidade de Duisberg, em Essen, Alemanha.

Os trabalhadores temporários tendem a rejeitar os partidos sociais-democratas estabelecidos, ligados aos sindicatos, porque o foco deles está principalmente nas preocupações dos trabalhadores de período integral, como por exemplo aposentadoria em idade relativamente baixa, disse Marx.

A virada europeia na direção do emprego atípico resulta de medidas governamentais para relaxar as leis trabalhistas rígidas, e dos esforços dos empregadores para aproveitar a flexibilidade criada nas regras.

Os países prósperos do norte da Europa por volta da virada do século decidiram flexibilizar as normas trabalhistas rígidas que vigoraram por todo o período pós-guerra, porque a globalização estava prejudicando sua competitividade. Hoje, quase 27% dos trabalhadores da Alemanha e quase 47% dos trabalhadores da Holanda trabalham em tempo parcial.

Alguns europeus apreciam o emprego flexível. John Tuerlings trabalhou por 33 anos para uma construtora na Holanda, começando aos 15 nos, e ficou assustado quando seu emprego desapareceu, uma década atrás.

“Eu não sabia o que viria a seguir”, ele recorda. Agora ele diz amar a liberdade do trabalho autônomo. Tuerlings prosperou graças às suas “mãos de ouro”, que ele mostra erguendo os dedos fortes e desgastados. “E eu sei como divulgar meu trabalho. Outros artesãos às vezes encontram dificuldades para conseguir trabalho”.

Porque ele não vai poder contar com uma pensão de empresa, Tuerlings dentro de alguns anos planeja vender sua casa, que é grande, comprar uma menor e viver dos lucros. “Minha casa é minha aposentadoria”, ele disse.

Na França, por muito tempo um dos países com leis trabalhistas mais favoráveis aos empregados, o uso de trabalhadores temporários por empresas subiu para 16,2% do total de empregados no país em 2018, ante 13% em 2009 – avanço suficiente para que o presidente Emmanuel Macron tomasse medidas algumas semanas atrás para limitar a dependência das companhias quanto à mão de obra temporária.

Macron e outros líderes europeus não foram capazes de transformar os empregos atípicos em postos de trabalho de período integral dotados de benefícios. Embora as respostas dos governos à disparada no desemprego europeu uma década atrás tenham variado, um traço comum foi um relaxamento das regras de segurança no emprego.

As reformas permitiram que empresas demitissem trabalhadores de tempo integral e contratassem temporários, mas isso não resultou em elevação no número de contratados para postos integrais, como se esperava. Na Holanda, a proporção de trabalhadores com emprego em tempo parcial subiu a 20,1% em 2018 ante 16,4% em 2009; na Itália, a alta foi de 10,8% para 16,5%.

Os países mais pobres do sul da Europa tentaram repetidamente combater o desemprego elevado e persistente. Em 1984, a Espanha desregulamentou os contratos de trabalho temporários, tentando romper o controle que os sindicatos do país haviam adquirido sobre o emprego na época de Franco. O trabalho temporário cresceu muito, especialmente nos setores de construção e hospitalidade, que passaram por expansões.

Depois que a crise financeira explodiu e a Espanha caiu em recessão, em 2008, os trabalhadores temporários, facilmente demissíveis, foram descartados rapidamente. O desemprego disparou para quase 27% em 2013. De lá para cá, a proporção caiu para 14,2% - mas com a ajuda de contratos de trabalho de duração cada vez mais curta.

A Espanha tinha a maior proporção de trabalhadores temporários da Europa no ano passado, 26,4%, de acordo com os dados mais recentes da União Europeia. Mais de um quarto dos novos contratos de trabalho espanhóis têm duração de menos de uma semana, e cerca de 40% deles duram menos de um mês, de acordo com pesquisas comandadas pelo economista Florentino Felgueroso.

Antes que a recessão de 2008 eclodisse, Miriam Suarez limpava 13 quartos de hotel em Barcelona em uma jornada diária de trabalho de oito horas, e recebia almoço durante uma pausa de 20 minutos. O emprego dela, não sindicalizado e arranjado por meio de uma agência de temporários, ainda assim era coberto por um acordo coletivo negociado por um sindicato que lhe garantia um pagamento mínimo por hora e lhe propiciava renda mensal de 1,3 mil euros (US$ 1,43 mil).

As mudanças nas leis trabalhistas causadas pela crise do euro em 2012 liberaram os hotéis para abandonar o acordo coletivo e estabelecer termos. Hoje, Suarez diz que limpa até 25 quartos em uma jornada diária de trabalho de cinco horas, e ganha um euro por quarto. Ela não recebe almoço nem pausa para almoço, e ganha cerca de 700 euros por mês.

“Agora não temos tempo nem para beber um copo de água”, disse Suarez, que afirmou ter sofrido lesões nos braços e costas devido ao trabalho e ao estresse. Ela terminou demitida depois de tirar uma licença médica.

Suarez expressou sua frustração votando em abril no Podemos, um partido de extrema esquerda que dirigiu sua campanha a trabalhadores como ela. “Não acredito mais nos políticos”, ela disse.
Em poucos lugares o deslocamento econômico se combinou à desilusão política de forma mais poderosa que no Reino Unido.

O mercado de trabalho britânico é visto como uma história de sucesso, nos últimos 10 anos. O índice de desemprego chegou perto de um recorde de baixa no começo deste ano. A proporção de adultos empregados atingiu os 76,1% em setembro, a marca mais alta desde que essa estatística começou a ser acompanhada, em 1971.

A maior parte desse crescimento aconteceu em forma de trabalho atípico, de acordo com a Resolution Foundation, uma organização independente de pesquisa cujo foco é melhorar as condições de vida das pessoas de baixa e média renda. Dois terços dos empregos criados no Reino Unido de 2008 para cá são atípicos, e variam de trabalhadores “on demand”, que têm contratos mas nenhuma garantia quanto ao número de horas que trabalharão, a trabalhadores autônomos, estimou a Resolution Foundation em janeiro.

Essas mudanças no mercado de trabalho contribuíram indiretamente para o resultado na votação no referendo sobre a saída britânica da União Europeia [brexit], em 2016, de acordo com Thiemo Fetzer, economista da Universidade de Warwick.

Fetzer disse que seu exame do que influenciou a votação do brexit demonstra que empregos menos seguros e de remuneração mais baixa resultaram em uma alta no número de britânicos que dependiam do Estado para manter as contas em dia. E isso também os deixou mais vulneráveis aos cortes dos gastos sociais pelo governo.

Fetzer constatou que o apoio ao brexit cresceu significativamente nos distritos mais prejudicados pelos cortes, depois de verem uma debilitação anterior de seus mercados de trabalho.

Organizadores sindicais dizem que o avanço dos empregos precários, cortes nos gastos governamentais e redução no apoio aos trabalhadores de renda mais baixa estabeleceram as bases para o resultado.

“É como se o país estivesse dizendo ao Parlamento que os cidadãos não foram beneficiados, e eles não querem saber”, disse Liane Groves, do sindicato Unite, que representa trabalhadores de diversas ocupações.

“Esses empregos tiram todo o poder dos trabalhadores”, disse Kristiyan Peev, 29, faxineiro na Universidade de Notingham. “Você não tem muito a dizer sobre coisa alguma”.

Na atual campanha eleitoral britânica, todos os partidos defendem redução nas medidas de austeridade.

Na França, Macron realizou uma série de reuniões com cidadãos para ouvir suas queixas, uma decisão que ajudou a atenuar os protestos do movimento dos coletes amarelos.

“Nós não vivemos, sobrevivemos”, disse Chantal Perrotin, que aderiu ao movimento perto de Lyon depois de ver os problemas enfrentados por seu filho, Yoann, o bancário.

Yoann, que estudou finanças por dois anos depois de concluir o segundo grau, se candidatou a empregos em bancos mas sua única oferta veio de um agência de trabalho temporário.

Ele começou em março sob um contrato de curta duração e logo sentiu o aperto financeiro. Seu salário mensal líquido de 1,3 mil euros lhe deixava apenas 150 euros, depois de cobrir as despesas básicas com o aluguel e comida, para bancar sua família – ele, a namorada e o filho e dois anos.
Antes de começar no banco, ele recebia seguro-desemprego e ganhava quase a mesma coisa que seu novo salário líquido, disse Perrotin. E o emprego também cria despesas, como ternos e o custo do carro, ele afirmou.

Perrotin disse que gostaria de comprar uma casa, mas não consegue uma hipoteca. “Os bancos não concedem empréstimos a pessoas que têm empregos temporários”, ele disse.

Porque estudou finanças, Perrotin disse compreender que as companhias e o emprego precisam evoluir. “Não estou interessado em manter um emprego por toda a vida”, ele disse. “Mas precisamos desenvolver uma maneira de dar benefícios e propiciar empréstimos aos trabalhadores temporários”.

No final de setembro, a agência de trabalho temporário o informou de que seu contrato não seria renovado. “Eu esperava que o trabalho levasse a um contrato permanente”, ele disse. “Mas estava preparado caso isso não acontecesse”. Ele está de volta ao seguro-desemprego.
 Adrià Calatayud contribuiu para este artigo, em Barcelona.
 The Wall Street Journal, tradução de Paulo Migliacci

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