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sexta-feira, 22 de junho de 2018

LINGUAGEM “PÓS-MODERNA” E MOVIMENTOS SOCIAIS: O caráter burguês do feminismo culturalista


LINGUAGEM “PÓS-MODERNA” E MOVIMENTOS SOCIAIS:

O caráter burguês do feminismo culturalista


Rubens Vinicius da Silva*
Diego Pereira Marques dos Anjos*




No presente texto pretendemos demonstrar como a linguagem utilizada por determinadas tendências nos movimentos sociais próximos e/ou simpatizantes das ideias “pós-modernas” (para evitar confusões, substituiremos pós-moderno por pós-estruturalismo; tal escolha será justificada ao longo do texto) expressa um determinado projeto político e, por conseguinte, de sociedade. O título do trabalho remete às relações estabelecidas entre os adeptos desta concepção e sua atuação em determinadas organizações dos movimentos sociais.
O foco da crítica será o feminismo culturalista. Contudo, com nossa produção buscamos evidenciar que a influência dos termos vinculados à linguagem “pós-moderna” não se limita a este último, o qual possui grande influência no movimento feminino. Buscaremos comprovar as razões pelas quais tais estratagemas são largamente utilizados por indivíduos, coletivos e movimentos em diversas esferas de nossa sociedade, servindo para justificar determinados interesses, práticas, valores e perspectivas de classe conservadoras.
A pós-modernidade e sua discussão são temas candentes e polêmicos dentro e fora das universidades. Os debates sobre sua existência, a influência das concepções e práticas vinculadas ao termo são objeto de diversas produções intelectuais. Pretendemos explicitar ao longo de nossa jornada que além da inexistência de uma sociedade “pós-moderna” ser uma realidade concreta, sua denúncia remete ao combate efetivo de elementos de uma linguagem hegemônica no seio de diversas tendências nos movimentos sociais.
Assim, a crítica aqui realizada percorrerá o seguinte itinerário: num primeiro momento, iremos realizar uma breve discussão sobre o significado histórico do pós-estruturalismo e os reais interesses de classe dos produtores e reprodutores destas concepções. Para tanto, iremos nos valer das contribuições do marxismo, a partir do método dialético como recurso mental para análise do real e da teoria da sociedade elaborada por Marx e seus autênticos continuadores. Num segundo momento, iremos nos debruçar em torno das relações entre o feminismo culturalista e a linguagem característica do pós-estruturalismo, através da descrição e explicação de alguns termos-chave, evidenciando a perspectiva de classe que perpassa os seus respectivos usos.
A “pós-modernidade” existe?
Para responder a pergunta colocada acima, primeiramente temos de considerar o que é a sociedade moderna e o que a caracteriza. A partir daí, surge a necessidade de verificar se há efetivamente sua superação manifesta na condição “pós-moderna”. O que caracteriza a sociedade moderna? Dentre as mais variadas características (ideologias, opções políticas e tendências relacionadas à luta de classes) podemos afirmar sem erro que a essência da modernidade é a produção capitalista de mercadorias. Tal processo se manifesta nas relações sociais de exploração, dominação e alienação, que surgem nos locais de trabalho, expandem-se e se generalizam ao conjunto da vida em sociedade (VIANA, 2011).
O processo de produção capitalista de mercadorias é fundado na produção e extração de mais-valor. Esta é a relação social fundamental da nossa sociedade. O conjunto da classe capitalista (apropriadores de mais-valor produzido pelo proletariado) compra a força de trabalho da classe proletária (trabalhadores assalariados produtivos, dos quais é extraído o mais-valor) e a utiliza no processo de produção de mercadorias. A força de trabalho (conjunto das energias físicas e psíquicas que são empregadas pelos seres humanos no processo de produção e reprodução da vida material) acrescenta valor às mercadorias, sendo que apenas uma parte desse valor volta para o proletariado, na forma de salário, que é o preço pago pela classe capitalista (VIANA, 2011).
Cabe recordar que o fundamento da modernidade (a produção capitalista de mercadorias, fundada na exploração via extração de mais-valor) vem acompanhado de uma miríade de determinações que são desdobramentos das relações de produção capitalistas. O referido processo não ocorre sem resistência e luta dos (as) operários (as), invadindo o conjunto das relações sociais. Este processo se expande e se complexifica com o aumento da divisão social do trabalho, que na sua gênese era fundada no sexo e na faixa etária. Com o aprofundamento da divisão do trabalho, notoriamente a partir da cisão entre trabalho manual e trabalho intelectual, surgem as classes sociais e a luta de classes.  A propriedade dos meios de produção e reprodução da vida material passa a ser monopolizada na forma da extração de mais-trabalho, tal como se deu nas sociedades fundadas no escravismo antigo e no feudalismo. No modo de produção capitalista, a especificidade da produção de mercadorias se manifesta na produção de mais-valor pelo proletariado e na sua apropriação por parte da burguesia. Essa dinâmica constitui as duas classes fundamentais da sociedade moderna.
Deste modo, temos um conjunto complexo de transformações que ocorrem na sociedade atual: dentre elas é possível citar a dominação, ideologização, mercantilização, institucionalização, etc. Ao mesmo tempo, temos a manutenção destas relações sociais fundamentais: basta olhar a nossa volta e perceber que todos os produtos, bens e serviços são perpassados pelas relações capitalistas de produção e reprodução da vida em sociedade (VIANA, 2011). Negar isso significa, em última análise, negar o real. E negar a realidade, numa sociedade dividida em classes sociais em conflito permanente, serve a interesses de classe específicos. Com isso, uma pergunta persiste: se não superamos as relações sociais fundamentais e nem o modo de produção capitalista, em que consiste a pós-modernidade?
As ideologias[1] pós-modernas (aliás, este termo é uma auto ilusão, pois a sociedade moderna é a sociedade burguesa: somente a sua superação poderá constituir uma pós-modernidade; por isso o termo pós-estruturalismo é o mais adequado, por resgatar o caráter social e histórico das produções intelectuais que fornecem a base ideológica para as concepções expressas por muitos movimentos sociais contemporâneos e suas respectivas tendências) são um produto direto do processo de contrarrevolução cultural preventiva produzida pelo capitalismo a partir da segunda metade do século passado, com a emergência das lutas operárias e estudantis na França no ano de 1968.
Em síntese, a produção de ideologias é obra de indivíduos reais e concretos, com interesses, mentalidade e determinada função desenvolvida na divisão social do trabalho. No caso do pós-estruturalismo, o vínculo estabelecido entre os intelectuais, estado e a manutenção da sociedade burguesa é explícito: a emergência dessas produções intelectuais está diretamente relacionada à necessidade da classe burguesa em combater, deformar e atacar as teorias revolucionárias, retirando seu caráter original, como bem evidenciado nas lutas sociais de Maio de 1968 na França e seus desdobramentos. Com a derrota deste movimento, tais ideólogos foram financiados pelo estado e frações da burguesia, dando início a um processo de contrarrevolução cultural preventiva. No plano da produção intelectual, isso se manifestou na crítica às “metanarrativas”, recusa da totalidade concreta e da historicidade, postulando o fim da história e, fundamentalmente, das classes sociais. Deste modo, uma leitura mais crítica e numa perspectiva revolucionária aponta para reconhecer que o tal pós-modernismo é produto da reação dos intelectuais hegemônicos[2] num contexto de acirramento e radicalização da luta de classes.
 Os elementos principais que unificam as distintas concepções pós-estruturalistas (recusa da totalidade e da historicidade, fim da história e das classes sociais, etc.) possuem enorme ressonância no conjunto das lutas específicas em nossa sociedade, notoriamente nas que tangem às questões da mulher, da homossexualidade e dos negros (as). Segundo a perspectiva defendida pelos ideólogos do pós-estruturalismo e dos movimentos sociais sobre sua influência, tais lutas possuem um fim em si mesmo: isso se manifesta na negação da necessidade de sua articulação com o movimento das classes exploradas e oprimidas. Ademais, elas apontam para microrreformas e políticas públicas com efeito anestésico e paliativo, reforçando a integração desses grupos sociais à lógica estatal. Tais políticas só consolidam e mascaram as relações de classes, que são fundamentadas na exploração, dominação e alienação.
 Ora, cabe recordar que o estado é a principal forma criada pelos capitalistas para tornar regulares e passíveis de reprodução contínua as relações de produção fundamentais da sociedade burguesa (VIANA, 1997). Não é possível disputar o estado: ele é a mais forte e poderosa instituição a serviço da manutenção das relações sociais capitalistas. As experiências históricas de conquista do poder estatal, seja pela via eleitoral ou pela via insurrecional, demonstram cabalmente que houve o reforço e a manutenção do capitalismo em vez de sua efetiva superação. A sociedade capitalista como um todo deve ser abolida, dando lugar a novas formas sociais correspondentes a uma sociedade efetivamente emancipada de todas as formas de dominação e exploração. Nesse sentido, a perspectiva que defende o reconhecimento das “identidades[3]” (da mulher, do gay e do negro) joga o problema para uma simples solução individual, ou então de grupos e culturas isoladas da totalidade histórica e do conjunto das relações sociais. Nunca é demais lembrar que o indivíduo (apesar de sua singularidade) é acima de tudo um ser histórico e social. Por conseguinte, nas sociedades de classes ele é membro de uma das várias classes sociais em permanente conflito.
Acreditamos ter reunido argumentos suficientes para evidenciar a emergência das concepções pós-estruturalistas e os vínculos dos intelectuais defensores de tais concepções com a reprodução do modo de produção capitalista. Iremos agora realizar uma discussão sobre a relação entre o feminismo culturalista e os termos-chave usados por adeptos desta variante da ideologia feminista. O referido itinerário nos fornecerá elementos para entender como há, por detrás de uma suposta crítica, a defesa implícita da sociedade capitalista: embora revestidos de um tom aparentemente contestador, o feminismo culturalista e os termos-chave que expressam a linguagem utilizada pelos adeptos desta tendência manifestam um conjunto de valores, sentimentos e mentalidade que não apontam para a luta pela emancipação total da humanidade dos grilhões da sociedade moderna.
Linguagem dominante e feminismo culturalista
No tópico anterior desenvolvemos uma breve síntese acerca das determinações histórico-sociais que evidenciam os limites, interesses e perspectiva de classe presentes nos defensores do pós-estruturalismo. Nosso objetivo nesta seção consiste em explicitar como a influência pós-estruturalista se manifesta no plano da linguagem, através da reprodução indiscriminada e acrítica de termos-chave, cuja ressonância é notória no seio do feminismo culturalista. Este será analisado tendo como fundamento a crítica ao termo genérico culturalismo.
 Antes de iniciar este procedimento, algumas considerações sobre a linguagem são necessárias. A este respeito, cumpre apresentar uma definição que seja coerente com a proposta metodológica evidenciada em nosso percurso. Partindo do pressuposto de que a linguagem é essencialmente portadora de um caráter histórico e social, é possível defini-la como um conjunto de recursos simbólicos constituídos pelos seres humanos visando satisfazer as necessidades de comunicação. Estes recursos simbólicos são aqueles provenientes da fala e, derivado dela, da escrita (VIANA, 2009).
Obviamente que com a complexificação da divisão social do trabalho, através do surgimento das sociedades de classes, assistimos a um processo de complexificação da linguagem. Neste sentido, a linguagem dominante expressa os interesses da classe dominante, o que revela uma luta de classes em torno do significado das palavras. Assim, a veiculação e difusão de determinados signos é uma forma de ocultar as relações de exploração e dominação, fundamentos da sociedade capitalista. A luta em torno da linguagem manifesta a luta cultural pela transformação social (VIANA, 2009). Neste sentido, o uso e criação de conceito, a ressignificação de palavras e expressões, bem como a crítica radical às deformações do pensamento revolucionário constituem e evidenciam que a luta de classes se alastra para todas as esferas sociais. Isso se dá inclusive na linguagem, que é tão antiga quanto a consciência: sendo as duas produzidas histórica e socialmente, portanto transitórias e passíveis de transformação, para o desenvolvimento da consciência revolucionária o desenvolvimento da linguagem revolucionária é uma tarefa das mais urgentes, árduas e imediatas.
No que tange à luta de classes em torno do signo, um exemplo retirado da dinâmica das classes fundamentais do modo de produção capitalista pode ilustrar melhor o que estamos tratando: o uso da palavra empregado, em detrimento do vocábulo operário. Tal procedimento busca diluir as relações de classe em interações entre os indivíduos. Nesse caso, temos a simplificação e redução do trabalho produtivo alienado ao emprego, de forma a ocultar o processo de controle efetivado pelo não-trabalhador no conjunto de sua atividade e da exploração da força de trabalho, na forma de extração de mais-valor. O uso do signo empregado (e seu correlato, o empregador) sugere uma relação harmoniosa, na qual o antagonismo de classe aparece diluído em interações entre pessoas. A criação e veiculação deste signo (além de outra palavra, ainda mais recente e perniciosa, colaborador) expressa a tentativa de não identificar mais na figura do capitalista um inimigo de classe.
 Portanto, alguns temos manifestam a utilização da linguagem com o intuito de amortecer o conflito de classes. As palavras não criam a realidade: ao contrário, o constrangimento das relações sociais conduz ao esforço de constituir signos que expressem, seja de modo deformado (o que é de interesse da classe dominante) ou corretamente o real em toda sua complexidade e múltiplas determinações. A partir da perspectiva do proletariado, é possível perceber que a linguagem dominante e sua reprodução acrítica revela, em muitos momentos, a necessidade de criação de neologismos ou mesmo a ressignificação de alguns termos, visando explicitar uma perspectiva de classe que não coadune com os valores, sentimentos e interesses vinculados à mentalidade burguesa. Tudo o que pontuamos conduz à conclusão de que a linguagem é transitória, produto histórico e social, manifestando a riqueza e complexidade do real, na forma de expressão dos interesses das diversas classes sociais. Contudo, o uso deformado e a descontextualização de conceitos revela um procedimento comum no que tange ao pensamento complexo: trata-se do fetichismo da linguagem. O caso de Marx é um destes exemplos. A ressignificação dos termos alienação e ideologia feita por ele (a partir das contribuições de Hegel e Destutt de Tracy) foi também produto do mesmo processo, desta vez por parte de intelectuais conservadores e progressistas. Deste modo, para os intelectuais defensores do capitalismo, o combate e deformação da linguagem que expressa os interesses do proletariado revolucionário (ou seja, da humanidade) é uma tarefa essencial, para a qual são muito bem remunerados.
Após estes esclarecimentos, passemos ao foco de nossa discussão. Ou seja, a partir de agora a análise se dará acerca do feminismo culturalista. Em princípio, faremos uma digressão e crítica acerca do termo genérico culturalismo. Depois, iremos identificar no feminismo culturalista uma das vertentes mais fortemente influenciadas pelo pós-estruturalismo, expressando um obstáculo na luta pela emancipação feminina. A expressão culturalismo revela a ênfase na cultura no sentido de limitar-se a ela, na tentativa de torna-la autônoma frente aos demais fenômenos sociais. Tal crítica se faz necessária, visto que o conteúdo da linguagem é manifesto no seio de muitas tendências atuantes nos movimentos sociais, em especial no movimento das mulheres.
Antes de qualquer coisa, precisamos pontuar algumas questões relativas à necessidade de reconhecimento de determinadas opressões e sua relação com os desejos e possibilidades de luta pela superação da sociedade moderna, capitalista. Sem dúvida, o combate e denúncia da opressão e da violência contra a mulher (por ser um desdobramento das relações de produção capitalistas) é uma tarefa de todos aqueles comprometidos com a emancipação humana. Contudo, o isolamento fantástico da noção de cultura[4] se revela inapropriado para o real entendimento das múltiplas determinações envolvidas no processo de opressão e violência da mulher em nossa sociedade. Isso porque não há uma contribuição efetiva para explicitar os fundamentos, a raiz destas relações. Do mesmo modo, inexiste uma tentativa ou combate efetivo no sentido da superação total e completa das mesmas: de superficialidade em superficialidade, a opressão, a alienação e a exploração vão, por assim dizer, se perpetuando, uma vez que sequer são tangenciadas.
A luta contra a violência contra a mulher é antiga, anterior ao próprio feminismo. Todavia, em nossa sociedade temos a adoção de novos discursos e práticas sociais relativas à questão da mulher, sendo um deles o feminismo culturalista. A complexidade das múltiplas determinações do concreto é substituída de modo arbitrário pela questão “cultural”. Ou seja, ao isolar e com isso relegar para a questão da cultura (e também do comportamento), a solução se torna meramente uma mudança de cultura e comportamento. Tal conjunto de práticas produz posições moralistas, conservadoras, as quais têm como complemento necessário a repressão e punição legais, reforçando a lógica capitalista de resolução falsa e imediata de problemas mais profundos.
Assim, permanecem intactas as relações sociais que permitem a violência contra a mulher: o que se observa é um conjunto de poucas alterações que no fundo nada alteram. O isolamento fantástico das relações sociais entre os sexos é o complemento de tal perspectiva. E tal impossibilidade de mudança se dá pelo fato de que as bases e fundamentos reais deste processo permanecem inalterados. Ou seja, é muito mais fácil e até cômodo culpar determinados grupos e indivíduos (os homens malvados e cruéis, como o querem muitas feministas culturalistas e “radicais”). O principal procedimento ideológico adotado para a sustentação de tais posições é o uso do construto[5] gênero, unidade no interior da ideologia do gênero.
Sobre os limites desta ideologia, mais uma vez nos valemos das contribuições do sociólogo e filósofo marxista Nildo Viana:
Não se pode pensar o homem (sexo masculino) e a mulher (sexo feminino) como construções culturais arbitrárias. As representações, reais ou ilusórias, segundo Marx, se dão a partir de relações sociais concretas. As representações cotidianas e as ideologias acerca do sexo feminino (e do masculino) não são produtos arbitrários da “cultura” ou do “poder”, estas duas entidades metafísicas que dominam o discurso contemporâneo antropológico ou pós-estruturalista, já que tanto a cultura quanto o poder nesta ideologia aparece como algo a-histórico, indeterminado, a-social. A visão do sexo feminino é constituída histórica e socialmente, mas é preciso discutir em que período histórico e em que contexto social isto ocorre, bem como entender qual é a posição de classe de quem a apresenta. (...) Outra característica que se reproduz na ideologia do gênero é a falta de referências a seres humanos concretos, relações sociais concretas. Os livros das ideólogas do gênero estão recheados de referências a outras obras, ou seja, ficamos num mundo livresco, no qual um livro remete a diversos outros livros (não para deles extrair relações sociais concretas, mas apenas outras teses), e uma tese a diversas outras teses, num círculo vicioso e autorreferente do mundo ideológico. (VIANA, 2006, p. 48-52, grifos nossos).
Para tanto, não apenas nas universidades temos a hegemonia destas posições (no caso concreto de nossa análise, do culturalismo). Tais ideologias se expandem e invadem diversas tendências atuantes nos movimentos sociais, em especial o movimento feminista de matiz culturalista. É possível perceber manifestações desta forma de pensamento ilusório através do uso de diversos termos-chave, tais como “sororidade”, “vivência”, “lugar de fala”, “desconstrução”, dentre outros. Essas palavras são deslocadas das ideologias de onde surgiram, sendo difundidas, popularizadas e reforçando a hegemonia existente. Em muitos debates e conversas elas aparecem como mágica, cuja pronúncia resolveria as coisas fantasticamente ou fariam coisas aparecerem do nada.
 Tais expressões são produtos sociais e históricos, forjados nas relações sociais concretas, num dado regime de acumulação e inseridas num determinado paradigma hegemônico e ideologias derivadas do mesmo. De maneira muito sintética, é possível definir regime de acumulação como uma forma estabilizada da luta de classes, marcada pelo predomínio de determinada configuração do processo de valorização (formas assumidas pelo processo de extração de mais-valor), determinada formação estatal e determinada configuração da exploração entre os estados (relações internacionais).
As mudanças no interior de um regime de acumulação são acompanhadas por mutações culturais e ideológicas. O capitalismo contemporâneo se caracteriza pelo regime de acumulação integral, marcado pela intensificação da extração de mais-valor absoluto e relativo, pelo estado neoliberal e pelo neoimperialismo (VIANA, 2009b). No capitalismo da era da acumulação integral, o subjetivismo torna-se a matriz paradigmática de diversas ideologias (pós-estruturalismo, seus derivados e assemelhados) e isso é perceptível no seu reducionismo ao “sujeito”, essa entidade metafísica, separada das relações sociais concretas e da história. Tal procedimento revela uma posição política, vinculada ao pertencimento de classe, portanto eivada de valores, interesses, concepções e sentimentos dos que a produziram. Não há neutralidade, muito menos no que tange às produções intelectuais na sociedade capitalista.
 Conforme mencionado, nossa crítica está focada no feminismo culturalista. Porém, nossa análise procura explicitar que a influência e hegemonia dos termos vinculados ao pós-estruturalismo gera práticas sociais idênticas em outros movimentos sociais[6]. Voltando ao foco da discussão, o fragmento do texto A quem interessa o feminismo culturalista?, produzido pelo coletivo de mulheres 8 de Março, sintetiza a correspondência havida entre a postura da organização e a tese que estamos a defender. Fazemos isso por conta do argumento (muitas vezes desonesto) de que homens não poderiam dar contribuições e se posicionarem com relação à questão da mulher na nossa sociedade:
O feminismo culturalista compartilha não somente os limites do feminismo em geral, como agrega valor ideológico ao mesmo. O culturalismo é um mal da sociedade capitalista "pós-moderna". O feminismo culturalista é apenas um remendo mal feito desse mal. Os problemas do feminismo culturalista, na sua parte culturalista, podem ser destacados e divididos em dois principais: a) a cultura passa a ser o centro da ação feminina, isolado do mundo circundante. O feminismo em si tem a tendência de isolar as relações entre os sexos e esse "novo feminismo" aprofunda isso tornando essa relação meramente cultural. E transforma o cultural em essencial. (...) O social é expulso pelo cultural e nesse campo, a ideologia reina totalmente. Sempre foi papel da ideologia autonomizar as ideias. b) a história da cultura é esquecida. A sua produção e sua lógica de produção é abandonada e naturalizada. A cultura passa a ser produto dos homens machistas por serem homens (e naturalmente e essencialmente "machistas"). A cultura é produto dos homens machistas por causa da essência masculina (e, contraditoriamente, afirmam que não existem "essências" ou "essências femininas"). (...) A história é esquecida, a formação das sociedades de classes é esquecida, o capitalismo é esquecido. Só restam homens e mulheres e fora da história. (COLETIVO 8 DE MARÇO, 2016).
Assim, apesar de algumas diferenças internas, temos uma unidade no discurso do feminismo culturalista. Tal unidade se manifesta num isolamento fantástico da cultura frente à totalidade das relações sociais, no abandono da historicidade e dos conflitos (de classe, de sexo, de raça, etc.) na gênese da sociedade moderna, além do triunfo da “guerra dos sexos”, em contraposição à luta de classes como fundamento das sociedades classistas. Tais produções servem a quais interesses de classe? Será mesmo que a equivalência da divisão sexual do trabalho, com sua consequente manutenção, pode dar conta de uma “igualdade social”? Nossa conclusão é justamente o contrário: são na realidade tendências conservadoras nos movimentos sociais, que reforçam o processo cotidiano de exploração, dominação, alienação e opressão, que se estendem a todos os sexos e formas de vida em nossa sociedade.
 É extremamente importante explicitar que nenhum fenômeno surge do nada, nem pode ser entendido isoladamente. Não podemos tomar a parte pelo todo, muito menos a floresta pela árvore. Todos nós somos constituídos pela sociedade da qual fazemos parte, tanto homens quanto mulheres. A socialização feminina não ocorre em separado da masculina: ambas são fundadas na repressão (impedimento da manifestação de determinado comportamento) e na coerção (imposição de um determinado tipo de comportamento). Somos seres sociais e as relações que nos formam são materiais, concretas e não algo restrito à esfera “cultural”. Quando se luta por uma transformação radical da sociedade em que vivemos, certas cartas precisam ser postas na mesa. A libertação feminina (e a superação da divisão sexual do trabalho é sua pré-condição) não está desligada da necessidade de superação da sociedade de classes. Se isso fosse explicitado, não teríamos tantas pessoas defendendo por aí que se trata apenas de algo cultural. E algo cultural se resolveria culturalmente, sem necessariamente superarmos o capitalismo.
Em nossa perspectiva, a discussão não passa pelo simples uso ou desuso dos termos gênero e sexo, bem como sua expressão no seio das universidades. Trata-se de uma luta cultural, que expressa perspectivas e interpretações de classes distintas com relação à questão da mulher na sociedade moderna. Deste modo, consideramos que a questão da mulher está inserida na totalidade das relações sociais capitalistas. Estas relações são marcadas pela alienação, dominação, opressão, exploração, etc.
Desta forma, a “mulher” em geral não existe: o que existem são mulheres reais, vivas, de carne e osso, as quais ocupam funções distintas na divisão sexual e social do trabalho, originando interesses, valores, mentalidade e sentimentos opostos. Os interesses das mulheres burguesas são muito diferentes dos das mulheres proletárias e os interesses das mulheres burocratas são distintos das mulheres submetidas à burocracia. Isso quer dizer que os interesses de mulheres pertencentes às classes privilegiadas (por exemplo: Dilma Rousseff e Michele Bachelet, ex-presidentas do Brasil e Chile, respectivamente) são antagônicos aos interesses das mulheres pertencentes às classes desprivilegiadas.
Ademais, as mulheres possuem origens sociais, culturais, religiosas e profissionais distintas. Neste sentido, a questão da mulher não está separada da luta de classes, mais especificamente da luta entre as classes fundamentais do modo de produção capitalista (burguesia e proletariado).  Para explicitar melhor nossas afirmações, utilizaremos um excerto da produção da antropóloga estadunidense Evelyn Reed, Sexo Contra Sexo ou Classe contra Classe. Embora a citação seja longa, fundamenta de modo preciso nossa argumentação sobre o tema:
Existem duas maneiras distintas de tratar este aspecto da liberação da mulher. Uma é a marxista. Sabemos que as mulheres estão subjugadas e humilhadas em uma sociedade dominada pelo homem, e também que estão plenamente capacitadas para se organizarem ativamente contra estes males. Ao mesmo tempo, o marxismo nos ensina que a subordinação de um sexo é parte e consequência de uma pressão mais ampla e da exploração da massa trabalhadora por parte dos capitalistas, detentores do poder e da propriedade. Portanto, a luta pela liberação das mulheres é inseparável da luta pelo socialismo. E outro ponto de vista sustenta que todas as mulheres, como sexo, estão no mesmo barco e têm objetivos e interesses idênticos independentemente de sua posição econômica e da classe a que pertençam. Portanto, para obter a emancipação, todas as mulheres deveriam se unir e levar a cabo uma guerra baseada na diferença de sexo contra os machos chauvinistas, seus inimigos acérrimos. Esta conclusão, unilateral e distorcida, pode causar um grande dano à causa da liberação da mulher. É certo que as mulheres em geral, inclusive as de classes superiores, sofrem de alguma forma com o chauvinismo masculino. Em algumas ocasiões e para alguns objetivos é útil e necessário que as mulheres pertencentes a estratos sociais distintos constituam organizações próprias e atuem unitariamente para eliminar injustiças e desigualdades impostas a seu sexo. Um exemplo é o movimento para a legalização do controle de natalidade e do direito ao aborto. Sem dúvida, nem sequer a garantia de ver realizadas estas reformas urgentes eliminará as causas fundamentais da opressão da mulher, que se encontram na estrutura de classe de nossa sociedade. Em relação a todas as questões fundamentais, concernentes à propriedade privada, as mulheres ricas estão a favor da manutenção do status quo e de sua posição privilegiada, exatamente igual aos homens ricos. Quando isto acontece, traem seu sexo em favor de seus interesses e de seus privilégios de classe. Portanto, classe contra classe deve ser a linha mestra da luta pela libertação da humanidade em geral, e da mulher em particular. Somente uma vitória revolucionária sobre o capitalismo, dirigida pelos homens e mulheres trabalhadoras e apoiadas por todos os oprimidos, pode resgatar as mulheres de seu estado de opressão e garantir-lhes uma vida melhor numa nova sociedade. (REED, 2008, p. 103-105, itálicos no original).
Desta forma, o que defendemos é a articulação (e isso significa rejeitar quaisquer anacronismos, hierarquizações ou etapismos; a história da humanidade é aberta, permeada por tendências e possibilidades) desta luta específica com a luta operária, dos homens e mulheres desta classe, no sentido de fornecer as condições de possibilidade para o fim da opressão feminina, que é um produto da dinâmica social do capitalismo: esta estratégia deve ser adotada também com relação às demais lutas específicas em nossa sociedade. Somente com o fim do capitalismo, das classes, do estado e demais formas de dominação é que será possível avançar na luta pelo fim de todas as manifestações concretas da opressão feminina.
Com relação ao vínculo entre linguagem e perspectiva de classe, temos a presença de expressões ou frases que são utilizadas de modo recorrente, configurando mais um modismo ao invés de categorias analíticas ou noções que podem contribuir com a explicação da realidade. Tais gírias são dominantes nos círculos estudantis, especialmente no ensino superior: em casos mais extremados, são utilizadas quando se quer deslegitimar os argumentos de determinado ser humano, evitando suas reais posições, despolitizando e abolindo de modo fantástico determinadas partes de sua intervenção da totalidade desta, dentre outras formas. Com isso, temos o surgimento de famosas afirmações, tais como: “temos que ter o protagonismo”. Ou então, quando há um acirramento na discussão, outra pérola aparece: “não dê pitaco no que não conhece”.
E, quando as discordâncias estão explícitas e não há a preocupação em avançar, chega o momento da exposição ao ridículo: “é melhor parar migx, tá ficando feio”. Mais uma vez, há o esquecimento de que a cultura não paira acima de nossas cabeças, como o sol que nos aquece e a chuva que nos molha. Esta é um produto social e histórico, um conjunto de relações sociais que têm por objetivo fundamental reforçar as relações sociais dominantes no seio de um modo de produção, visando torná-las regulares, aceitáveis e com isso reproduzi-las para o conjunto da vida em sociedade.
Por mais que muitos vejam autonomia das ideias e da linguagem frente ao real, isso não é o que acontece na concretude: na realidade esta é mais uma estratégia da classe dominante e de suas classes auxiliares para manter a reprodução da sociedade existente. Por mais que muitos vejam “rupturas linguísticas” e “revoluções culturais”, nestas e noutras expressões, bem como deixar de escrever eles para escrever “elxs/el@s”, as relações sociais concretas em nada foram transformadas. Pelo contrário: continuam havendo estupros, violência e exploração dos seres humanos pelos seus semelhantes. E ninguém “parou porque tá feio...”. Segundo a sapiência universitária, somente a vivência importa: dito de outra forma, só pode falar de assassinato quem já foi morto...
No fundo, estamos diante da demonstração de que estas expressões e ideias são equivocadas e prejudiciais para um movimento real que tenha como projeto político a busca por unificar as diferenças e não fragmentar as diversidades. É muito curioso reter que os pós-estruturalistas que pedem para ressaltar e respeitar as “diferenças” são os mesmos que se esforçam em negar e ocultar os antagonismos de classe. Por “incrível que pareça”, são os mesmos que se aliam a um “projeto popular” e defendem a democracia. São os que negam a necessidade de ruptura radical com a ordem burguesa e suas instituições, os que dizem para “evitar o enfrentamento”. Assim, vão influenciando e levando muita gente honesta e sincera no seu “canto de sereia”. Uma vez que, com isso, seus interesses de classe permanecem intocados. Assim, estes intelectuais reproduzem acriticamente discursos de seus professores e orientadores. Como se todos estivéssemos “no mesmo barco”...
Considerações finais
Procuramos ao longo do texto estabelecer a relação entre o surgimento do pós-estruturalismo como uma das determinações histórico-sociais para a emergência do feminismo culturalista, na forma de uma linguagem que se utiliza de termos-chave visando expressar um projeto político que não aponta para a transformação radical da sociedade capitalista. Ademais, nossas considerações revelam os vínculos existentes entre a linguagem hegemônica nas tendências dos movimentos sociais, a função da intelectualidade neste processo e a manifestação da miséria intelectual dentro e fora das universidades. Diante disso, qual proposta de alternativa deve ser levantada como complemento da crítica anteriormente aludida? A resposta pode ser dada partindo do pressuposto segundo o qual os revolucionários não defendem a filantropia ou a integração das classes exploradas no capitalismo e sim o fim da sociedade existente. Não queremos remediar suas relações desumanas e inautênticas, mas acima de tudo superá-las por novas e superiores relações sociais. Por isso criticamos radicalmente quem as defenda, desde seus supostos críticos até seus adoradores. Ambos advogam, com maior ou menor ardor, pela manutenção e reprodução da ordem social burguesa:
Para nós, não se trata de modificar a propriedade privada, mas de aniquilá-la, não se trata de camuflar as contradições de classe, mas de abolir as classes, não se trata de melhorar a sociedade vigente, mas de fundar uma nova. (...) O proletariado perderia de vez sua posição autônoma, conquistada a duras penas, e ficaria novamente relegado à condição de penduricalho da democracia burguesa oficial.  (MARX & ENGELS, 2010, p.64-65). 
O que tem de ser questionado é o caráter fragmentário, isolacionista e conservador desta estratégia de luta: para além das “invenções identitárias”, o elemento fundamental é a unificação de todas as classes e grupos sociais oprimidos e explorados. Essa unificação só pode ocorrer por meio da perspectiva comunista de transformação radical de todas as relações sociais, e não somente de um ou mais grupos sociais. Cumpre ressaltar que os grupos sociais não possuem como objetivo a superação da sociedade capitalista em sua totalidade. Neste sentido, perguntas como estas devem ser feitas: por que categorias fundamentais não aparecem nos discursos acima criticados, tais como totalidade, contradição, conflito, transformação? Ou ainda: por que os conceitos que explicam a realidade e geram esta situação não são utilizados, tais como capital, mercantilização, lucro, poder, classes sociais e etc.?
A linguagem é expressão da luta de classes, sendo perpassada pela dinâmica dos conflitos sociais (BAKHTIN, 2014). As palavras expressam interpretações e perspectivas de classe conflitantes. Todo discurso expressa os valores, ideias, sentimentos e interesses de seu locutor, de modo que não existem neutralidade e imparcialidade na análise do real. Para nós este é o conteúdo fundamental que os termos-chave acima comentados e sua manifestação concreta no feminismo culturalista transmitem. Ao demonstrar qual é o real sentido por detrás do vocabulário "pós-moderno", autoimagem ideológica de frações da intelectualidade (classe social auxiliar da burguesia) que surge exatamente no bojo das lutas radicais do final dos anos 60 na França, desmistificam-se suas preocupações fundamentais, quais sejam: negar a totalidade das relações sociais, a historicidade das sociedades humanas e a impossibilidade de uma transformação radical do conjunto das relações sociais.
As derrotas das lutas estudantis e operárias nos fins dos anos 60 e início dos anos 70 fizeram emergir o “pós-modernismo” e sua linguagem hegemônica em diversas vertentes dos movimentos sociais que, ao contrário do que é veiculado na esfera intelectual, não se configuram em conquistas dos movimentos sociais. Tais ideias fazem parte de um processo de contrarrevolução cultural preventiva, através da apropriação conservadora do que foi iniciado como crítica nos movimentos de contracultura daquele período. Este movimento se complexificou e sua hegemonia se manifesta não somente no interior das universidades, mas também nas próprias lutas que se desenvolvem na prática, bem como no cotidiano. No caso da sociedade brasileira, mais recentemente muitos termos-chave e seus portadores têm sido disseminados por determinadas frações do capital comunicacional com o objetivo manifesto de amortecer os conflitos de classe, diluindo-os em questões de ordem individual e identitária.
 Esse processo revela a presença de um vocabulário conservador que se quer passar por crítico, e como tal precisa ser combatido. Ademais, a veiculação por parte dos meios oligopolistas de comunicação demonstra em que medida a cooptação e integração de grupos sociais oprimidos pode reforçar a competição, que juntamente da mercantilização e burocratização das relações sociais é um dos elementos constituintes da sociedade capitalista. No que se refere à influência no interior de tendências e organizações dos movimentos sociais, é sabido que são inúmeros casos de denúncia dos indivíduos que, ao serem desmascaradas em debates ou assembleias e não encontrando mais saída, apelam para um possível olhar intimidador contra o “esquerdo-macho”; aliás, porque essa ênfase de denunciar que na “esquerda” existe opressor? Porque não combater os casos concretos? Porque não desmascarar os limites políticos da “esquerda” e vinculá-los como extensão do autoritarismo bolchevique? As contribuições dessa perspectiva são inexistentes, é uma novidade recheada de velhos preconceitos de classe. Além disso, temos a predominância de uma determinada prática política na maioria destes grupos: ao invés de unificar a luta contra todas as formas de exploração e opressão, estes preferem limitar-se aos seus problemas específicos.
 Os termos-chave acima criticados, bem como sua hegemonia no seio do feminismo culturalista, expressam uma linguagem que é apropriada e usada por seus adeptos, manifestando práticas sociais que em nada contribuem para a emancipação humana. Se esta linguagem é oriunda deste ou daquele grupo, aqueles que buscam resgatar os valores autênticos da humanidade (respeito mútuo, solidariedade, fraternidade) têm de combatê-la. E não importa de quem vier (seja negro, gay, mulher, etc.). Os meios que devem ser coerentes com os fins últimos são aqueles que expressam a necessidade da transformação radical do conjunto das relações sociais em sua totalidade, e não microrreformas particulares, as quais têm por objetivo amortecer e institucionalizar as lutas de classes, com o intuito de integrar as classes e grupos sociais explorados e oprimidos na dinâmica da reprodução das relações sociais capitalistas.
Referências

BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 16ª ed. São Paulo: Hucitec, 2014.

COLETIVO 8 DE MARÇO. A quem interessa o feminismo culturalista? Disponível em: http://coletivooitodemarco.blogspot.com.br/2016/03/a-quem-interessa-o-feminismo.html Acesso em 29 de março de 2017.

DUBAR, Claude. Para uma teoria sociológica da identidade. In: A socialização. Porto: Porto Editora, 1997.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 9ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. 2ª ed. São Paulo: Hucitec, 1992.
______. Mensagem do Comitê Central à Liga [dos Comunistas]. In: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A luta de classes na Alemanha. São Paulo: Boitempo Editorial, 2010.

REED, Evelyn. Sexo Contra Sexo ou Classe Contra Classe. São Paulo: Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2008.

VIANA, Nildo. Gênero e Ideologia. In: VIANA, Nildo (org.) A Questão da Mulher – Opressão, Trabalho e Violência. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2006. 

______. Modernidade e Pós-Modernidade. Disponível em: http://informecritica.blogspot.com/2011/05/modernidade-e-pos-modernidade.html Acesso em 29 de março de 2017.

______. A Consciência da História. Rio de Janeiro: Achiamé, 1997.

______. Linguagem, Discurso e Poder: Ensaios sobre linguagem e sociedade. Pará de Minas (MG): Virtualbooks, 2009.

______. O Capitalismo na era da acumulação integral. São Paulo: Ideias & Letras, 2009b.

______. As Esferas Sociais: A Constituição Capitalista da Divisão do Trabalho Intelectual. Rio de Janeiro: Rizoma, 2015.

______. Os Movimentos Sociais. Curitiba: Prismas, 2016.

RESUMO: No presente texto pretendemos demonstrar como a linguagem utilizada por determinadas tendências nos movimentos sociais próximos e/ou simpatizantes das ideias “pós-modernas” (ao longo da leitura, para evitar confusões, substituiremos esta expressão com o uso do termo pós-estruturalismo; tal escolha será justificada ao longo do texto) expressa um determinado projeto político e, por conseguinte, de sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: pós-estruturalismo; culturalismo; feminismo.

ABSTRACT: In the present text we intend to demonstrate how the language used by certain tendencies in the near social movements and / or sympathizers of the "postmodern" ideas (throughout the reading, to avoid confusion, we will substitute this expression with the use of the term post-structuralism; Such choice will be justified throughout the text) expresses a certain political project and, therefore, society.

KEY WORDS: poststructuralism; culturalism; feminism.




* FURB, Fundação Universidade Regional de Blumenau, SC.
* UnB - Universidade de Brasília/DF.
[1]As ideologias são formas complexas de pensamento ilusório, uma falsa consciência sistematizada produzida pelos especialistas no trabalho intelectual, os intelectuais ou ideólogos (MARX & ENGELS, 1992).
[2]Os intelectuais hegemônicos são aqueles que expressam a maior autonomia da intelectualidade como classe social, explicitando seu caráter como uma classe auxiliar da burguesia, a qual busca se autonomizar e manter sua posição privilegiada no interior da sociedade moderna (VIANA, 2015).
[3] Acerca dos autores que defendem a perspectiva do reconhecimento e constituição das identidades, conferir (HALL, 2004) e (DUBAR, 1997).
[4] Entendemos por cultura o conjunto das produções intelectuais de uma determinada sociedade. Nas sociedades sem classes a cultura é homogênea, ao passo que nas sociedades classistas ela se torna heterogênea. Neste sentido, a produção artística, científica, filosófica, as representações sociais em geral, os valores, sentimentos, a manifestação do inconsciente, etc. compõem a cultura da sociedade moderna (VIANA, 2016).
[5] Os construtos são elaborações sistematizadas de noções que falseiam e deformam da realidade. Os construtos são produzidos no interior de uma ideologia, expressando os interesses de classes que não conseguem atingir uma consciência correta da realidade. Já os conceitos expressam a realidade em sua complexidade: são unidades que emergem no seio da teoria, manifestando os interesses da classe proletária, cujo interesse é o desenvolvimento de uma consciência correta da realidade (VIANA, 1997).
[6]Partimos da definição expressa por Nildo Viana no livro Os Movimentos Sociais: Os movimentos sociais são mobilizações de grupos sociais que produzem senso de pertencimento e objetivos gerados por insatisfação social (demandas, necessidades, interesses, etc.) com determinada situação social. (VIANA, 2016, p.48, itálicos no original).
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Publicado originalmente em Revista Movimentos Sociais:

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