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sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Linguagem, lingüística e fascismo



Linguagem, lingüística e fascismo

Rerisson Cavalcante de Araújo

É fácil identificar um fascista italiano no Brasil. Quem discorda de você é fascista. Quem não vota no seu partido preferido é fascista. Quem discorda de uma política pública é fascista. Quem xinga político é fascista. Quem carrega uma bandeira é fascista.

Nestes tempos em que as pessoas se sentem confortáveis para chamar seus amigos de longa data de “fascistas” (mas se ofendem com piadas de salão…), é bom lembrar das funções da linguagem segundo Roman Jakobson.
A função referencial ou denotativa tem o objetivo de tentar falar da realidade, descrever as coisas do mundo como se apresentam. Já a conativa ou apelativa tenta induzir comportamentos e posturas; convencer ou reprimir algo ou alguém. A função conativa pode atuar em conjunção com a referencial ou na negação desta; pode apelar a verdades ou a mentiras — ou pior, em meras palavras vazias.
Quando você chama o seu amigo, parente, professor, aluno etc de fascista (sem se importar com a gravidade da sua ofensa!), é porque você estudou suficientemente o fenômeno cultural do fascismo italiano e está identificando elementos idênticos na pessoa? (Quais elementos? Cantar o hino nacional?). Ou porque você quer mostrar que você é uma pessoa legal, boa e defensora do bem, enquanto a outra é maligna, diabólica, satânica? Você quer descrever um fenômeno real ou posar de intelectual e democrático? Você chamaria de “fascista” alguém que, como os fascistas italianos e os nazistas alemães, defende, por exemplo, a reforma agrária? (Sim, fascistas e nazistas eram nacionalistas e, por isso, a favor da reforma agrária. A realidade é sempre muito mais complicada do que os slogans.).
Hoje, no Brasil, chamar os outros de fascistas é apenas um recurso para evitar ser mal visto por certos círculos de pessoas legais e de acadêmicos. Participar desse circo pode fazer com que você seja muito bem visto. Recursar-se a participar disso e tentar descrever as coisas como elas são (ou abster-se enquanto você não souber algo de fato) vai fazer com que você seja extremamente mal visto e mal quisto. Fica a questão: se o seu amigo estiver simplesmente errado, é preciso levantar contra a ele uma acusação falsa e sem-vergonha de “fascismo” apenas para posar de legal? Mas notem: não se trata de uma questão de polidez ou desrespeito apenas, mas de justiça, de verdade e de responsabilidade intelectual.
É uma escolha que você tem que tomar.

O ANTIFASCISMO É O PIOR PRODUTO DO FASCISMO





O ANTIFASCISMO É O PIOR PRODUTO DO FASCISMO

Jean Barrot

Desde que o regime fascista surgiu, no período entre as duas guerras mundiais, o termo “fascismo” tem se mantido em voga. Qual grupo político não acusou seus adversários de usar “métodos fascistas”? A esquerda nunca parou de denunciar o fascismo ressurgente, a direita por sua vez insistia rotulando o PCF como o “Partido Fascista”. Significando tudo e nada, a palavra foi perdendo significado a partir do momento em que os liberais de todos os países passaram a identificar todo e qualquer Estado forte como fascista.
As ilusões dos fascistas dos anos 30 ressurgem e são apresentadas como realidade, nos dias de hoje. Na Espanha, Franco pretendia ser tão fascista quanto seus mentores, Hitler e Mussolini, mas o fato é que nunca houve uma internacional fascista. Os coronéis gregos e generais chilenos são chamados de fascistas, mas eles apenas representam variantes ditatoriais do Estado capitalista. Intitular de fascista o Estado é o mesmo que acusar os partidos que o governam. Assim, não se critica o Estado, só se denunciam aqueles que o dirigem. Os esquerdistasA tentam parecer radicais fazendo alvoroço em torno do fascismo, mas rejeitam a crítica ao Estado. Na prática, limitam-se a propor outra forma de Estado (democrática ou popular) em substituição à atual, qualquer que seja ela.
O termo “fascista” é ainda menos relevante nos países capitalistas desenvolvidos, onde os partidos comunistas e socialistas pretendem desempenhar um papel central no futuro. No discurso esquerdista, Estado “fascista” é todo aquele que reage contra o movimento revolucionário. Ora, neste caso, é muito mais correto falar de Estado pura e simplesmente e deixar o fascismo fora disso.
Há um aspecto sob o qual o fascismo triunfou e seus objetivos foram, em geral e ainda que por outros meios, alcançados: a unificação do Capital e a eficiência do Estado. Mas a verdade é que o fascismo desapareceu como movimento político e como forma de Estado. Apesar de algumas semelhanças, os partidos hoje considerados fascistas já não almejam, desde 1945, conquistar um Estado frágil de fora para dentro[1].
Insistir com a ameaça do fascismo é ignorar o fato de que o fascismo revelou-se despreparado para a tarefa, que assumiu, mas não realizou. Assim, por exemplo, em vez de fortalecer o capital alemão, o nazismo terminou dividindo-o em dois Estados. Durante a segunda guerra mundial, a polarização fascista/antifascista foi enriquecida com novos elementos. Do ponto de vista do capital, a guerra entre dois blocos imperialistas era, mais uma vez, a solução necessária para os problemas econômicos (crash de 1929) e sociais (a classe operária – rebelde, ainda que não revolucionária – tinha de ser subjugada). Deste modo, a segunda guerra mundial é mistificada como uma guerra contra o totalitarismo, na forma de fascismo. Esta é a versão que permanece.
A constante lembrança, por parte dos imperialismos vitoriosos de 1945, dos crimes nazistas serve para justificar a guerra, dando-lhe o caráter de cruzada humanitária na qual tudo, mesmo a bomba atômica, pode ser admitido para derrotar tão bárbaro inimigo. Esta interpretação não é, entretanto, mais digna de crédito do que a demagogia dos nazistas, que diziam lutar contra o capitalismo e a plutocracia ocidental.
O bloco democrático incluía um Estado tão totalitário e violento quanto a Alemanha de Hitler: a União “Soviética” de Stálin, cujo código penal prescrevia a pena de morte para os infratores de 12 anos de idade. Em suas colônias, os governos democráticos utilizavam métodos similares de terror e extermínio sempre que achassem necessários. O ocidente esperou a guerra fria para denunciar a existência dos campos de prisioneiros na URSS. Mas cada país capitalista tem que lidar com seus problemas. A Inglaterra não enfrentou uma guerra como a da Argélia. Os EUA não tiveram de organizar campos de concentração[2], mas desencadearam uma guerra colonial no Vietnam. A União “Soviética”, cujo Gulag foi denunciado no mundo inteiro, concentrou em algumas décadas os horrores cometidos durante séculos nos mais velhos países capitalistas, horrores que também resultaram em milhões de vítimas, basta lembrar a escravidão dos negros e o extermínio dos índios.
Ao longo da história, o desenvolvimento do capital tem certas consequências, entre as quais: 1) opressão mais ou menos brutal dos trabalhadores, que inclui a eliminação física; 2) competição com outros capitais nacionais, frequentemente resultando em guerra. Quando o Estado é administrado pelos “partidos dos trabalhadores”, apenas uma coisa muda: a demagogia trabalhista é mais evidente, mas os trabalhadores não serão poupados da repressão mais severa, se esta for necessária para o bom andamento dos negócios. O triunfo do capital nunca é completo, a não ser quando os trabalhadores se mobilizam por uma “vida melhor”.
A pretexto de defender os proletários dos “excessos do capital”, o antifascismo apoia a intervenção do Estado. O antifascismo tem sido o campeão do Estado forte. Assim, por exemplo, o PCF (Partido “Comunista” Francês) nos pergunta: “Que espécie de Estado é necessário na França de hoje?... O nosso Estado é estável e forte, como o presidente da república diz? Não, ele é fraco, é impotente para tirar o país da crise política e social na qual está atolado. Na verdade, o presidente da república está encorajando a desordem”[3].
Ambas, ditadura e democracia propõem o fortalecimento do Estado, como uma questão de princípio. Com o pretexto de nos proteger, mudam os estilos mas o objetivo é sempre o mesmo: “de cima para baixo”, com os ditadores, ou “de baixo para cima”, com os democratas, o capitalismo se mantém. Então, comparando ditadura e democracia, poderíamos falar de uma luta entre duas facções sociologicamente diferentes do capital? Não. Simplesmente, estamos diante de dois diferentes métodos de arregimentação do proletariado: pela força, reprimindo-o; ou assimilando-o, através de “suas” próprias organizações.
O capital opta por uma dessas soluções, de acordo com as exigências do momento. Na Alemanha, depois de 1918, a social-democracia e os sindicatos eram indispensáveis para assimilar os trabalhadores e isolar os revolucionários. Depois de 1929, a Alemanha tinha de concentrar sua indústria, minimizar a dispersão da classe média e unificar a burguesia. O movimento operário tradicional, a social-democracia, que dependia do pluralismo político e defendia os interesses imediatos dos trabalhadores, tornou-se um peso morto para o capital.
As “organizações dos trabalhadores” apoiavam firmemente o capitalismo, seja porque já não eram ou porque nunca tinham sido autônomas. Desempenharam um efetivo papel contrarrevolucionário, em 1918-21, contribuindo decisivamente para a derrota da revolução proletária na Alemanha. Em 1920, essas organizações deram o primeiro exemplo de antifascismo contrarrevolucionário (antes mesmo do surgimento do fascismo, na Itália)[4].
Mais tarde, a hipertrofia das organizações social-democratas, na sociedade e no Estado, exasperou o conservadorismo social, o malthusianismo econômico, e elas foram eliminadas. Mas a social-democracia preencheu uma função abertamente contrarrevolucionária em 1918-1921, ao defender a manutenção do trabalho assalariado. Foi por isso que se tornou necessária para representar os interesses imediatos dos assalariados, ainda que, mais tarde, viesse a dificultar a reorganização do capital como um todo.
O nazismo tinha como objetivo a destruição violenta do movimento dos trabalhadores, contrariamente aos partidos fascistas de hoje. Esta é a diferença crucial. A social-democracia, que havia cumprido muito bem sua função de domesticar os trabalhadores, ocupava uma posição importante no Estado, mas era incapaz de unificar a Alemanha. Essa foi a tarefa do nazismo, que soube como atrair e subjugar todas as classes e camadas sociais, dos proletários desempregados ao capital monopolista.
No Chile de Allende, a Unidade Popular conseguiu integrar os trabalhadores, mas sem reunir a nação inteira atrás de si. Mesmo assim, tornou-se necessário subjugá-los pela força. No entanto, até novembro de 1975, não houve nenhuma repressão massiva. Se Allende proclamou a “Revolução na Legalidade”, não foi para levar ao poder os trabalhadores ou porque as organizações democráticas quisessem evitar o golpe de Estado da direita. Os partidos de esquerda e sindicatos jamais conseguiram evitar qualquer coisa semelhante, exceto quando o golpe de Estado era prematuro, como o de Kapp, na Alemanha de 1920. Se não houve terror branco em Portugal, foi por falta de necessidade, pois o Partido Socialista conseguiu unificar a sociedade como um todo atrás de si.
Quer se admita ou não, o antifascismo tem sido a forma necessária para a colaboração entre trabalhadores e burgueses reformistas. O antifascismo os une afirmando representar o verdadeiro ideal da revolução burguesa, traída pelo capital. A democracia é considerada como um embrião de socialismo, já presente na sociedade capitalista. E o socialismo é representado como a plena democracia. A luta pelo socialismo consistiria em obter o máximo de direitos democráticos dentro do capitalismo. Com a ajuda do espantalho fascista, o gradualismo democrático é revitalizado.
A democracia é uma das formas políticas do capital. Sua expansão, neste século, aumentou o isolamento dos indivíduos. Nascida como solução ilusória para o problema da alienação na sociedade, a democracia é impotente para resolver o problema da mais alienada das sociedades, em toda a história, a sociedade capitalista. O antifascismo só consegue viabilizar o totalitarismo, na medida em que sua luta por um Estado democrático se resume ao fortalecimento do Estado, pura e simplesmente.
Por vários motivos, as críticas dos revolucionários ao fascismo e ao antifascismo – em particular, as que se referem à guerra civil espanhola – são ignoradas, mal entendidas e mesmo intencionalmente distorcidas. Na melhor das hipóteses, são consideradas abstratas; na pior, uma contribuição ao fascismo. Assim, o discurso antifascista veicula que: a) o PCI ajudou Mussolini por não levar o fascismo a sério e, especificamente, por não se aliar com as forças democráticas; b) o KPD facilitou a tomada do poder por Hitler, ao tratar o SPD como o inimigo principal; c) na Espanha, pelo contrário, teríamos um exemplo de luta antifascista, que poderia ter sido bem sucedida se não fossem as deficiências dos stalinistas (ou: socialistas, anarquistas, etc. – a  escolher, segundo a preferência de cada um). Ora, esses argumentos se baseiam numa completa distorção dos fatos.

http://redelp.net/revistas/index.php/rma/article/view/9gbarrot4/330 


A “Esquerdista”, aqui, significa “progressista”, ou seja, a suposta esquerda oficial, parlamentar ou mesmo a suposta extrema-esquerda, ou seja, progressistas moderados e extremistas.
[1] Na França, por exemplo, o RPF (Reagrupamento do Povo Francês), o partido do general De Gaulle, de 1947 a 1952.; o poujadismo, movimento pequeno-burguês de direita, na quarta república; e, finalmente, o RPR (Reagrupamento pela República), partido gaullista na época em que foi redigido este texto.
[2] Nos EUA, cerca de 100.000 (cem mil) japoneses foram internados em campos de concentração, durante a segunda guerra mundial. O Estado ianque não considerou necessário exterminá-los.
[3] Humanité, 6 de março de 1972.

[4] O golpe de Kapp, em 1920, foi derrotado por uma greve geral. Mas a insurreição proletária nas minas do Ruhr, que eclodiu imediatamente após e pretendia ir além do apoio à democracia, foi imediatamente reprimida pelo Estado, que utilizou as mesmas tropas que haviam sustentado o golpe de Kapp...