MARX
COMO SALVAGUARDA PARA LÊNIN*
Paresh Chattopadhyay
Lemos com grande interesse o artigo acadêmico “Em defesa do leninismo”, de Murzban Jal
(EPW, 1 de janeiro de 2011). Ele oferece um grande número de questões em seu
discurso erudito, algumas das quais não temos competência para discutir. Há
também outras coisas, como centralismo democrático, comunistas indianos etc.,
que não nos interessam terrivelmente. Particularmente, o centralismo
democrático é assunto interno do Partido; deixa completamente de lado a questão
infinitamente mais importante da democracia em geral para o povo trabalhador e
a sociedade como um todo. Os comunistas da Índia (o seu establishment) nos
interessam minimamente. Então, seremos muito seletivos.
A primeira coisa que nos impressiona é que, em um artigo
ostensivamente dedicado ao leninismo, e não às suas origens, Lênin é muito
menos presente que Marx. Logo no início, nosso estudioso declara que, na
posição leninista, “organização e massas são sintetizadas como a ‘união de
indivíduos livres’ ”. Esta é uma afirmação surpreendente que, ele parece
pensar, não requer nenhuma demonstração, como suas muitas outras proposições
que abordamos abaixo.
Agora, a expressão “socialismo”, entre aspas, própria do
marxismo, é apenas outro nome para a sociedade antevista por Marx. O
significado claramente emancipatório do socialismo não está em nenhum lugar –
até onde sabemos – na obra em Lênin, que usa, todavia, os termos “socialismo”
ou “comunismo”. Nosso estudioso analisou e desvalorizou enormemente a mensagem
emancipatória de Marx. E ele segue esse método durante todo o seu ensaio. Ele
cita algumas das frases leninistas libertárias que Lênin pronunciou em abril de
1917 algumas poucas vezes. Mas, na maioria das vezes, o autor cita textualmente
apenas Marx, deixando a impressão de que a posição de Lênin era a mesma que a
de Marx. Nenhuma demonstração parece ser necessária. E ele quase nunca se
refere à prática política leninista para mostrar sua concordância com as “palavras,
palavras e palavras” de Lênin.
Vamos examinar o artigo um pouco mais de perto. Nosso autor
gosta de lembrar o leitor da preocupação de Lênin com os “marxistas” por não
terem “entendido Marx”. Mas não temos evidências de que o próprio Lênin tenha
entendido Marx.
De fato, existem contraexemplos claros que mostram que Lênin
leu suas próprias ideias nos textos que ele cita de Marx. Isso é claramente
visto, por exemplo, quando se lê cuidadosamente lado a lado (palavra por
palavra) os próprios textos de Marx – não apenas a citação de Lênin – junto com
os de Lênin na Comuna de 1871. Mas o lugar mais importante para ver a
deformação de Lênin do texto de Marx é seu retrato da primeira fase do
comunismo de Marx em O Estado e a Revolução, que quase toda a esquerda
vê erroneamente como uma brochura libertária[1].
Em resumo, ao manipular o texto de Marx de 1871, Lênin
introduz “estado” e “trabalho assalariado” no que ele chama de “socialismo”[2].
Em seguida, nosso autor promete mostrar (“mostraremos”) que “o ditado leninista
‘para tratar a insurreição como uma arte’ será o resultado lógico da ideia de
comunismo do jovem Marx como humanismo e naturalismo”. Infelizmente, ele nunca “mostra”
isso. Novamente, a distinção entre a intelligentsia radical e as massas
operárias, como o autor nos lembra corretamente, era de fato originalmente uma ideia
de Kautsky que aparece no panfleto de Lênin “Que Fazer?”.
No entanto, supondo que essa ideia fosse posteriormente
inaceitável para Lênin, por que ele não a tornou parte de sua crítica a esse
horrível “renegado”?[3]
De fato, Lênin não rejeitou todas as ideias de Kautsky, incluindo as
basicamente erradas do ponto de vista de Marx. Lênin os herdou, e eles
permaneceram parte de sua bagagem até o fim.
E nosso autor também deixa de lado esse último aspecto de Lênin,
pois ele quer mostrar total concordância entre as ideias de Marx e as do
leninismo. A prática geral de nosso autor é se referir às ideias emancipatórias
de Marx, mas a todo momento se abstém de tentar demonstrar sua relevância para
a posição de Lênin.
Por fim, o autor faz a afirmação surpreendente de que “a
revolução proletária só é possível se forem entendidos os rigores dos contornos
filosóficos do marxismo, especialmente a transição de Kant para Hegel”. Em
outras palavras, ele quer que o proletariado suba ao seu próprio nível de
aprendizado antes mesmo de pensar na revolução. De acordo com o que sabemos, Marx
nunca julgou necessário esse fator de conhecimento, como uma condição de
sucesso da revolução proletária. Lênin o fez?
* Tradução de Antônio Blin.
[1]
Uma análise crítica da deformação leninista do pensamento de Marx sobre a
Comuna de Paris pode ser vista em: VIANA, Nildo. Comuna de Paris:
Interpretações e Perspectiva de Classe. In: https://www.academia.edu/2402711/Comuna_de_Paris_Interpreta%C3%A7%C3%B5es_e_Perspectiva_de_Classe
(Nota do tradutor).
[2]
Sobre isso veja o texto acima citado de Viana e também a análise da concepção de
socialismo em Marx e Lênin realizada pelo próprio autor em O Conteúdo
Econômico do Socialismo em Marx é o mesmo que em Lênin? Disponível em: http://redelp.net/revistas/index.php/enf/article/view/941/pdf_58
[3]
Referência do autor ao livro de Lênin, A Revolução Proletária e o Renegado
Kautsky, pois o discípulo rompe com o mestre apenas parcialmente. Uma
análise crítica disso pode ser vista no texto de Jean Barrot, O Renegado Kautsky
e seu Discípulo Lênin, em:
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