O Vento ou a Vida
(O Modo Capitalista de Vida Como “Modo de Vida Fútil”)
Pierre Leroy
O
capitalismo superdesenvolvido da Europa Ocidental, EUA e Japão cria o que
podemos chamar de “modo de vida fútil”. Ele cria uma ALIENAÇÃO TOTALIZANTE DO
SER SOCIAL e também a “FUTILIZAÇÃO” DA VIDA. O mundo da mercadoria anula todas
as potencialidades humanas criando um tipo de homem que é um
ser-para-o-consumo. Entretanto, ainda existe nos homens uma vontade de realizar
atividades autônomas não mediadas pelo mundo da mercadoria, pelos meios de
comunicação e por toda esta panaceia eletrônica e burocrática. Tanto a
futilização da vida quanto a insatisfação que surge com ela se manifestam em
todos os aspectos da vida: do trabalho ao lazer. O capitalismo
superdesenvolvido cria uma monstruosa sociedade mercantil mecânica e
burocrática.
O
DIREITO AO PRAZER AUTÊNTICO FOI DESTRUÍDO NAS SOCIEDADES TOTALITÁRIAS DA EUROPA
OCIDENTAL. Essas sociedades são totalitárias não porque possuem um Estado
ditatorial que destruiu as liberdades políticas e democráticas, porque existe
censura ou porque não se pode viajar sem permissão das autoridades. O tipo de
totalitarismo a que me refiro é muito mais desumano e degradante. É a alienação
totalitária da vida social. Nada escapa, da política nacional ao cotidiano
estamos presos numa alienação generalizada.
Marx
ficou horrorizado com a alienação do trabalho. Se estivesse vivo hoje, diante
da alienação DA VIDA, certamente, o que muitos estão fazendo atualmente, se
suicidaria. O fetichismo das mercadorias generalizou-se ao ponto de criar uma
reificação do homem. O homem se tornou uma coisa como outra qualquer. Não
apenas os outros homens são para mim uma coisa, mas eu mesmo passo a me sentir
e me tratar como uma coisa, uma mercadoria, ALGO DESTITUÍDO DE VONTADE E DE
CAPACIDADE. Assim, as relações sociais são deformadas e coisificadas, tornando-se
fúteis, vazias, sem significado. Marx, o maior profeta revolucionário de todos
os tempos, disse tudo: quanto mais TEMOS menos SOMOS.
As
sociedades totalitárias criaram, ao lado da futilização da vida, uma
futilização da prática, da contestação, da luta política. Juntamente com isso
temos uma sensação de impotência predominante na sociedade. Isto é a
autoconsciência de nossa “incapacidade”, de nossa alienação. Mas é, na verdade,
uma transferência da nossa alienação na vida social para a atividade política,
o que significa sua reprodução e, portanto, o elogio da alienação.
Os
grandes profetas revolucionários da humanidade (Marx, Freud, Bloch, Fromm,
Marcuse) sempre nos deixaram duas opções: socialismo
ou barbárie (Engels, Rosa Luxemburgo, Cornelius Castoriadis); a utopia ou a morte (René Dumont), eros ou tanatos (Freud, Marcuse), mas,
se eles revelaram uma “consciência antecipadora”, consideramos que a
antecipação que se realizou foi a negativa: barbárie,
morte, tanatos.
A
resistência à sociedade totalitária é explicada e explicável somente pela
teoria freudiana. Sigmund Freud foi aquele que nos revelou a existência do
inconsciente. A alienação total gera a insatisfação total. O problema é que
esta insatisfação total está contida dentro de nós, no inconsciente, e por isso
não se transforma em ação, em prática, e, consequentemente, em REVOLUÇÃO TOTAL.
A
alienação total da vida (sexual, afetiva, moral, política, etc.) não se
transforma em revolução total porque ela não se manifesta ou, nos raros casos
em que isso acontece, ocorre de forma individual. A vitória de tanatos
(instinto de morte) só acontece porque o “inconsciente coletivo” não pode
produzir o novo sem projetá-lo num projeto revolucionário, numa utopia. Ernst
Bloch, outro grande profeta revolucionário, estava certo quando disse que não
basta a insatisfação, pois é preciso que esta seja acompanhada pela esperança,
pela utopia.
Transformar
o “inconsciente coletivo” em “consciência coletiva revolucionária” é, pois, a
necessidade de nossa época. Entretanto, nós não podemos introjetá-la nas “massas”,
porque, nesse caso, elas seriam receptoras passivas de algo exterior, por mais
que isto expresse suas necessidades. Seria a reprodução da alienação e não um
processo de libertação. Portanto, as “massas” devem-se libertar por si mesmas.
O papel que resta aos revolucionários é despertá-la e estar atento para a
contrarrevolução. ESSA É A SUA TAREFA MAIS IMPORTANTE, COMBATER O DESEJO DE
CAPITALISMO DENTRO DE CADA UM, QUE INTROJETA O QUE LHE DESTRÓI E REPRODUZ
INTERNAMENTE ESTA DESTRUIÇÃO, LUTAR CONTRA A CONTRARREVOLUÇÃO.
A
história das sociedades totalitárias da Europa Ocidental começa na década de
60. O modo de vida fútil se instala com a ascensão do capitalismo
superdesenvolvido. As formas de alienação se generalizam e invadem a vida
social. O desencantamento com a participação política institucional não é sinal
de despolitização, mas sim de reconhecimento da alienação na democracia
política e da falsidade da contestação nos limites institucionais, tal como no
triste exemplo do eurocomunismo.
É
no final da década de 60 que o “inconsciente coletivo” torna-se “consciência
coletiva revolucionária” e isto ocorre em Paris. Em 1968, na cidade onde a luta
pela autogestão pela primeira vez invadiu as ruas materializada na Comuna de
Paris, os estudantes contestaram a ciência, a educação, a sociedade. Mas não
apenas criticaram e combateram o mundo velho; viram também a possibilidade de criação
de um mundo novo. Re-afirmaram o projeto utópico da autogestão. A derrota de 1968
se prolonga até os dias de hoje. Uma “nova onda revolucionária”? Isso só será
possível quando armados da utopia autogestionária reconquistarmos as ruas e a
vida como os operários da Comuna de Paris ou como os estudantes de 68.
Mas
a defesa da autogestão é dificultada pelo contra-ataque da alienação, vindo
tanto da direita quanto da “esquerda institucional” (e institucionalizada). Nós
não podemos produzir nossas próprias ideias políticas, devido nossa “incapacidade”.
Devemos comprá-las no mercado, ou seja, nas livrarias, nas universidades, nos
partidos políticos, nos meios de comunicação de “massas”, nas grandes revistas,
nos grandes jornais, etc. As ideias políticas que compramos são mercadorias e,
portanto, não foram produzidas por nós, mas por seres estranhos e hostis com os
quais nos deparamos. Essas ideias, consequentemente, não são as nossas, não são
as que queremos. Se nós sabemos que nós não queremos estas, então é porque
temos a noção de quais ideias políticas nós queremos. A alienação das ideias é
a justificativa para todas as outras formas de alienação. O discurso da
incapacidade intelectual é o fundamento do discurso da incapacidade total e de
todas as relações mercantis e burocráticas que expressam a alienação total da
vida social.
Chegamos
agora ao cerne da questão: O LIMITE DA SUA IMAGINAÇÃO POLÍTICA É O LIMITE DE
SUA AÇÃO POLÍTICA. A sua incapacidade de ultrapassar o mundo atual no plano do
pensamento é sinal de sua incapacidade de ultrapassá-lo na prática política. A “consciência
antecipadora”, a possibilidade de ver o vir-a-ser, não é só uma questão
filosófica, mas também uma posição política e humana. A visão de um mundo novo
só é possível rompendo com a atual “visão de mundo” que toma o mundo atual como
o único possível, o natural, o universal, ou que pode apenas ser reformado ou
transformado gradualmente. O pensamento revolucionário ao se opor ao pensamento
conservador apresenta-se como uma posição diante do mundo, uma posição de
negação radical e que significa A SUPERAÇÃO DA CONTEMPLAÇÃO TANTO TEÓRICA
QUANTO PRÁTICA. AQUELES QUE NEM AO NÍVEL DO IMAGINÁRIO SUPERAM A SOCIEDADE
EXISTENTE JAMAIS O FARÃO AO NÍVEL DA PRÁTICA: são conservadores que com base no
seu “realismo” disfarçam sua posição.
Nas
sociedades totalitárias só nos sentimos “livres” ou com um mínimo de liberdade
quando o vento bate em nossos rostos, mas, mesmo assim, ainda que não nos
sentimos VIVOS, pois esta é uma LIBERDADE PASSIVA que só se tornará AUTÊNTICA
quando se tornar ATIVA e com isso nós passarmos a vivermos nossa vida e
construirmos nosso mundo.
Hoje,
diante da futilização da vida e do “mundo da futilidade”, vemos apenas o vento.
A profecia de Thomas Münzer já nos alertava para isso: ou nós nos rebelamos ou
então só veremos o vento. Por isso, hoje a grande questão não é mais “socialismo
ou barbárie” e sim “O VENTO OU A VIDA”.
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