IDEOLOGIA DO GÊNERO E HOMOFOBIA SEGUNDO CAMILLE PAGLIA
Homofobia de hoje é resultado direto dos erros da esquerda, diz Camille Paglia
Escritora americana apoia posição de Bolsonaro contra ideologia de gênero e afirma que assunto serve para fortalecer a direita
Em sua cruzada contra o avanço da ideologia de gênero na educação, o presidente Jair Bolsonaro tem uma aliada de peso: a escritora feminista americana Camille Paglia.
Em entrevista à Folha, Paglia comemora a insurreição contra o ensino da teoria segundo a qual o gênero e orientação sexual são construções sociais, e não determinações biológicas. “Eu estava vendo as estúpidas teorias de gênero lentamente se infiltrando nas universidades brasileiras”, disse.
A acadêmica só lamenta que essa resistência venha apenas dos evangélicos. “Por que as classes instruídas brasileiras permitiram que essa questão fosse abraçada pela direita, e deixaram que a extrema direita explorasse a questão de gênero? Por que as vozes progressistas na esquerda não estão dizendo claramente que não deveria existir no Brasil essa teoria de gênero?”
Para ela, a esquerda exagerou em sua tentativa de impor agendas como combate ao aquecimento global, igualdade entre gêneros e proteção para minorias. “A homofobia que vemos hoje é resultado direto dos erros cometidos pelos progressistas, essa tentativa de empurrar uma agenda goela abaixo."
Polemista contumaz, Paglia acaba de se ver envolvida em mais uma controvérsia. Um grupo de alunos da instituição onde leciona, a Universidade das Artes, na Filadélfia, protestou contra comentários que a acadêmica fez em uma entrevista e pediu que ela fosse destituída de seu posto. Paglia criticara universitárias que denunciam supostos estupros meses depois do ocorrido, e também questionara o alto número de jovens identificados como transgênero.
Os estudantes que pedem a sua destituição afirmam que a senhora “ridicularizou descaradamente as vítimas de agressões sexuais e humilhou pessoas transgênero”...
Isso é absurdo, eles pinçaram da internet só uns trechos do que eu falei e tiraram do contexto. Uma das reclamações se refere à minha oposição ao feminismo de vitimização, que é algo incapacitante para as mulheres, que não as prepara para sobreviverem sozinhas.
É uma estupidez ver as jovens adquirirem o hábito de pensar que figuras de autoridade vão sempre estar presentes para protegê-las. Isso não é feminismo, é uma continuação da era vitoriana, em que as mulheres eram caracterizadas como criaturas vulneráveis, que precisavam de proteção paternalista.
As mulheres jovens precisam desenvolver a habilidade de se pronunciar, se um homem fizer alguma coisa que as deixe desconfortáveis, puser as mãos nelas, a própria mulher precisa falar. Minha família é formada por imigrantes. Meus familiares na Itália não tinham nenhum poder, mas as mulheres nunca toleraram que um homem dissesse coisas de natureza sexual para elas, o que dizer de encostar nelas.
Obviamente, também acho que devem existir normas sobre assédio sexual, mas não acho que mulheres podem aparecer anos ou décadas depois e fazer acusações contra homens sem nenhuma prova concreta. Elas precisam agir de forma justa. Está errado fazer acusações sem provas.
Criaram esse novo dogma: precisamos acreditar em todas as mulheres. Desculpe, não acredito que uma mulher seja inerentemente mais honesta que um homem. E isso é um retrocesso para o feminismo, porque é uma injustiça. O movimento #MeToo é louvável, mas, infelizmente, também pode se transformar em uma caça às bruxas.
Em 1991, a senhora disse que “uma garota que vai com um cara para o quarto dele, em uma festa de fraternidade, é uma idiota. Para as feministas, isso é culpar a vítima. Para mim, isso é bom senso”. Hoje mantém a mesma opinião?
Mantenho a minha filosofia de feminismo das amazonas: as mulheres precisam aprender a ler os sinais, verbais e não verbais. Se você está numa festa de uma irmandade, está todo mundo bêbado, e um cara te convida para entrar no quarto dele, ele está racionalmente partindo do pressuposto que você está concordando em manter relações sexuais com ele.
Sexo também é movido por impulsos biológicos. A biologia foi totalmente eliminada dos estudos de gênero. Para poder falar sobre sexo é preciso ter estudado história, antropologia e psicologia, mas também biologia. Isso está faltando totalmente. E no discurso sobre estupro, homens jovens com 18, 20 anos, estão em sua fase mais perigosa. São meninos que estiverem sob controle das mães e da família por muitos anos, estão em seu pico hormonal e procurando sua identidade.
Em todos os meus anos enquanto lésbica tentando namorar, eu era um desastre, e uma das razões era minha frustração completa com as mulheres. Eu consigo ver as mulheres da mesma maneira que os homens veem as mulheres, provavelmente por eu também me identificar como transgênero. Tinha muitas frustrações ao lidar com elas.
Em meu trabalho, tento alertar essas meninas. Saiam dessa névoa burguesa em que vocês vivem, o mundo é perigoso, vocês precisam ser responsáveis. O meu feminismo é para mulheres que ascendem no mundo profissional e político. Outras pessoas querem manter as mulheres acorrentadas, é isso o que faz o feminismo de vitimização.
Não é a primeira vez que a senhora diz se identificar como transgênero. A senhora já pensou em passar por alguma intervenção?
Minha sorte é que não existia essa conversa sobre cirurgia e hormônios quando eu tinha 20 anos, porque eu teria sido muito suscetível. Todos têm o direito de definir sua própria identidade e modificar seu corpo. Eu apoio a ideia de você se identificar como quiser nos documentos, e acho que o governo não tem o direito de se intrometer no que você faz com o seu corpo. Não sou contra a escolha de fazer cirurgia ou de receber hormônios. No entanto, estou tentando influenciar mulheres jovens, em especial, a não serem precipitadas, e pensarem como podem se sentir mais tarde.
A senhora acha que as pessoas estão mergulhando nessas intervenções médicas de forma pouco refletida?
Exatamente, eu me oponho completamente ao uso de bloqueadores de puberdade em adolescentes, é uma violação de direitos humanos. No futuro, as pessoas vão olhar para o período atual e ficar horrorizadas, porque os pais estão permitindo que usem bloqueadores. Um menino desconfortável em relação a seu pênis vai usar bloqueadores e depois terá que viver o resto da vida com um pênis pequeno.
A esquerda costumava abraçar a bandeira da defesa da liberdade de expressão. Agora, a direita é que se apresenta como a defensora dessa liberdade. Mas, nessa cruzada contra o politicamente correto, às vezes também se abrem as portas para declarações e ações homofóbicas. Há um risco de irmos de um extremo de patrulha de discurso, de exagero do politicamente correto, para o outro extremo, de que tudo é permitido, inclusive disseminar preconceitos?
A homofobia que vemos hoje é resultado direto dos erros cometidos pelos progressistas, essa tentativa de empurrar uma agenda goela abaixo. Excessos da esquerda é que empurram os eleitores para a direita. Essa discussão de gênero é politicamente contraproducente. Está empoderando vozes na direita, podemos ver isso no Brasil... uma reação contra a propaganda dos estudos de gênero que nega que existem diferenças fundamentais entre os sexos.
As pessoas comuns acham que negar as diferenças entre os sexos é um disparate absoluto, não querem que imponham isso a eles. E isso leva a consequências políticas, força os eleitores para a direita. Empodera políticos da direita a falarem pelas classes populares contra a maluquice da suposta classe instruída.
Como isso se transforma em homofobia?
Homofobia é uma condição específica, em que um indivíduo, normalmente um homem, é obcecado pelo ódio a homossexuais, como uma maneira de expurgar seus próprios impulsos de comportamento homossexual. Agora, não adianta nada aprovar leis contra alguém que se sinta desconfortável com comportamento homossexual, só faz com que as pessoas escondam suas críticas.
Eu sou contra a ideia de legislação contra crimes de ódio, ofende a minha filosofia libertária. O governo não deve interferir em nossas vidas privadas, nem se intrometer nos pensamentos que passam pela nossa cabeça. Separar as pessoas em grupos especiais e torná-las uma classe protegida, na realidade, cria mais animosidade contra gays. Hoje em dia, é só no mundo islâmico que a homossexualidade é perseguida de verdade, lá há homens gays que são mortos por sua homossexualidade.
O presidente Bolsonaro já afirmou: “prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”. Isso não é homofóbico?
Sim, este caso claramente mostra hostilidade à homossexualidade. Se eu ouvisse essa frase de qualquer pessoa, não apenas do líder do Brasil, diria: essa pessoa demonstra uma ansiedade em relação à homossexualidade por causa de uma possível atração. É uma pessoa que vê a sexualidade como um campo de batalha em que se precisam suprimir certos impulsos. No Brasil e em outros lugares, os evangélicos condenam a homossexualidade dizendo que ela não é natural, baseando-se no mandamento bíblico “seja fecundo e se multiplique”. Como se deve lidar com esse tipo de mentalidade? Impondo leis? Ou tentando entender quais são as raízes psicológicas e culturais desse sentimento? A ideia de que a homossexualidade é universalmente aceita é absurda.
Em muitas regiões, inclusive em áreas mais conservadoras da África, até hoje, a homossexualidade é uma grande questão. O governo não pode imaginar que vai conseguir controlar o pensamento das pessoas. As mudanças sociais levam tempo.
No entanto, quando o governo tenta apressar as coisas e ser punitivo, produz uma reação na direção oposta. Você tem figuras da direita sendo eleitas como um sintoma de que os progressistas passaram dos limites e cometeram erros táticos sérios. Os progressistas precisam assumir a responsabilidade por essa guinada para a direita. Eu sou registrada como democrata, votei em Bernie Sanders, então eu falo vindo da esquerda. É um absurdo a esquerda não fazer uma autocrítica e admitir que perdeu o apoio das pessoas. Em vez de reconhecer seu fracasso, os progressistas se isolam no mundo midiático. Todo mundo na mídia tem agora uma visão única sobre todas essas questões.
Progressistas olham ao redor e dizem: nossa, estamos cercados por políticos de extrema direita, como isso aconteceu? E aí eles resolvem dobrar a aposta e ser ainda mais enfáticos em suas crenças. Progressistas precisam fazer uma autocrítica e se dar conta da arrogância e estupidez de seu mundo tão isolado da vida real dos eleitores verdadeiros, que estão profundamente ressentidos de serem vistos de forma condescendente.
Há tempos a senhora critica a suposta dominação da esquerda nas universidades. Bolsonaro, além de fazer essa crítica, afirma que um dos principais problemas é que os professores ensinam ideologia de gênero.
Eu tenho visto a estúpida ideologia de gênero lentamente se infiltrando nas universidades brasileiras por meio dos departamentos de estudos de gênero. Tenho acompanhado isso. Pensei: isso vai ser um desastre, vai apagar a essência dos brasileiros.
A visão brasileira é autêntica, real, profunda, e essa ideologia de gênero é uma contaminação estrangeira. Eu torcia para que os brasileiros fizessem um movimento de resistência à ideologia de gênero. E aconteceu, mas, infelizmente, a resistência veio dos evangélicos em vez de vir de figuras mais progressistas da esquerda. Por que as classes instruídas brasileiras permitiram que essa questão fosse abraçada pela direita, e permitiram que a extrema direita explorasse a questão de gênero? Por que as vozes progressistas na esquerda não estão dizendo claramente que não deveria existir no Brasil essa teoria de gênero?
-------------6.mai.2019 às 2h00
Folha de São Paulo
Patrícia Campos Mello
São Paulo
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