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quinta-feira, 21 de junho de 2018

OS MOVIMENTOS JUVENIS E OS LIMITES DO PRESENTISMO



OS MOVIMENTOS JUVENIS E OS LIMITES DO PRESENTISMO
      
Marcus Gomes

Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB).




Os movimentos sociais juvenis sempre tiveram a fama e promoveram a expectativa de serem a esperança de mudanças radicais e necessárias na sociedade e vistos como força propulsora nesse processo. No entanto, o grupo social a que muitos atribuem um caráter de futurismo, muitas vezes fica limitado ao presentismo. As lutas juvenis na contemporaneidade, por sua vez, parecem presas ao paradigma hegemônico e não ultrapassa o discurso progressista. Os movimentos juvenis perderam o seu significado utópico e sua radicalidade?

Essa é uma questão complexa, pois existem, no interior dos movimentos juvenis, contradições, limites, avanços, divisões, que dificultam uma resposta unívoca. Porém, a juventude hoje não pode ser considerada uma “vanguarda” do movimento futurista, ou seja, daqueles que apontam para a transformação social radical e total. Alguns setores dela se alinham com tal perspectiva, sendo minoritários, pois a maioria reproduz a sociedade existente e vê alterações apenas no seu interior. Uma pequena parte fica ao lado do conservadorismo assumido e a maior parte tende ao progressismo, um conservadorismo reformista e esclarecido. Assim, a nossa tese é a de que os movimentos juvenis perderam sua radicalidade por causa da conformidade geracional dominante na contemporaneidade, que gera um presentismo que é limitador de tais movimentos.

Isso pode ser visto no processo contemporâneo e nos limites das lutas juvenis. As lutas juvenis na contemporaneidade se reduzem, na maioria dos casos, a lutas “imediatistas”, “estilistas”, “institucionais” e raramente lutas “autônomas” ou “revolucionárias”[1]. As lutas imediatistas ganham espaço e força na contemporaneidade, mais do que qualquer outras. Isso tem a ver com os processos sociais mais amplos, especialmente a constituição de um novo regime de acumulação e uma nova conformidade geracional dominante. O regime de acumulação integral emerge com o neoliberalismo, toyotismo e hiperimperialismo e faz emergir um novo paradigma, o subjetivista.

Assim, essa convergência de processos sociais e culturais constitui uma nova geração uniformizada hegemônica em cada geração etária, o que faz com que a juventude, hegemonicamente, realize a adesão às novas ideologias e formas de contestação, aderindo às “novidades” da época, geralmente comparadas com o que era hegemônico no regime de acumulação anterior[2]. Isso explica a tendência subjetivista hegemônica na juventude e nos movimentos sociais em geral. Assim, a renovação hegemônica que impõe o subjetivismo acaba atingindo a juventude e gerando uma geração uniformizada hegemônica marcada pelas ideologias, concepções, representações, subjetivistas. As questões juvenis do passado reaparecem sob interpretação subjetivista, tais como a sexualidade, as drogas, a música e a arte em geral, etc. O caso da sexualidade é exemplar para mostrar a hegemonia subjetivista, pois o que passa a valer é o “sujeito” e sua “subjetividade”, independente de quais sejam e como foram produzidas social e historicamente (o que é simplesmente apagado na maioria dos casos).

Novas questões juvenis aparecem, como derivadas das anteriores, mas adaptadas e reinterpretadas a partir da nova hegemonia. Por outro lado, emergem supostas questões novas, oriundas deste paradigma, tal como a questão da “identidade” ou então a do “empoderamento”. E o “sujeito”, mero produto social e histórico, se torna soberano, como se fosse autossuficiente ou então um indivíduo cindido em duas partes: uma autêntica e em contraposição à sociedade (como se essa parte também não fosse uma produção social) e uma inautêntica e social. A proliferação de opressões emerge daí, bem como o excesso de sensibilidade denunciado pelos conservadores. No plano dos movimentos juvenis e outros movimentos sociais, proliferam uma novílingua: “vivência”, “lugar de fala”, “identidade”, “empoderamento” etc. O foco em todos esses termos é o “sujeito”.

No interior dos movimentos juvenis, cabe destaque para o movimento estudantil. Este, no entanto, há muito perdeu sua radicalidade e fica dividido em lutas institucionais e lutas imediatistas. As lutas institucionais se manifestam no movimento estudantil oficial e sua burocracia informal, que usa elementos do discurso subjetivista, pois precisa de votos (para vencer as eleições estudantis ou para o seu partido vencer as eleições na democracia representativa) e por isso precisa ser populista e adepto dos modismos (além da força real da hegemonia que também atinge os estudantes em geral). A oposição reproduz a situação, pois também busca votos e cargos e está sob influência do subjetivismo hegemônico. As lutas imediatistas hoje são comandadas pelas redes sociais e por correntes de opinião, sem maior efetividade prática, a não ser em certos momentos de agitação estudantil. Em certos momentos, o movimento estudantil parece avançar, tal como nas ocupações estudantis em 2015 e 2016. As ocupações estudantis de 2016 aparentemente eram lutas autônomas, e foi assim “festejada” por alguns intérpretes (FERREIRA, 2017)[3], mas também estavam submetidas à hegemonia subjetivista, mas no fundo foram caracterizadas por focos de lutas autônomas convivendo com lutas estilistas, imediatistas e influência de partidos e outras instituições e setores da sociedade.
Nesse contexto, os “ventos de falsidade” (MARÍAS, 2003) acabam se espalhando e se tornam quase irresistíveis. O presentismo prende os indivíduos na contemporaneidade e isso pode ser visto nas tendências que se pretendem “revolucionárias”, pois, afinal, elas também reproduzem grande parte do que é hegemônico e não conseguem se desvencilhar dos “efeitos do contemporâneo” (VIANA, 2014). Os demais movimentos juvenis estão ainda mais submetidos ao presentismo, pois falta-lhe a articulação que a condição estudantil permite aos estudantes.



Em síntese, os movimentos juvenis não escapam da hegemonia burguesa e do presentismo. Os setores e tendências minoritários tentam resistir, mas o seu impacto é diminuto. A esperança é que o trabalho de “velha toupeira” dos setores minoritários, aliados com outros setores mais avançados da sociedade, com os processos de ascensão do movimento operário e/ou de crises no capitalismo, promova uma mutação nos movimentos juvenis. Assim, a luta dos jovens mais avançados atualmente tende a se encontrar com outras lutas e com uma mutação geral na juventude, abrindo espaço para o desenvolvimento do processo revolucionário. Nesse momento, a juventude poderá retomar sua radicalidade e seu significado utópico.

Referências

FERREIRA, Carolina. Formação a contrapelo: as ocupações estudantis e o Exercício da autonomia. Disponível em: http://anais.anped.org.br/sites/default/files/arquivos/trabalho_38anped_2017_GT14_1117.pdf acesso em: 01/05/2018.

MARÍAS, Julian. Tratado Sobre a Convivência. Concórdia sem Acordo. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

VIANA, Nildo. Juventude e Sociedade. Ensaios Sobre a Condição Juvenil. São Paulo: Giostri, 2015.

VIANA, Nildo. Os Efeitos do Contemporâneo. Revista Despierta. V. 1, n. 1, 2014.


[1] “Podemos, em linhas gerais, colocar que a contestação juvenil tende a se realizar na seguinte sequência: a) lutas imediatistas; b) lutas estilistas; c) lutas institucionais; d) lutas autônomas; e) lutas revolucionárias. (VIANA, 2015, p. 108).
[2] “Assim, a cada regime de acumulação há a tendência a existir uma geração uniformizada hegemônica nas quatro gerações etárias coexistentes (crianças, jovens, adultos, idosos). Obviamente que a existência de uma geração uniformizada hegemônica implica na de outras, não hegemônicas, com maior ou menor importância dependendo do regime de acumulação, das lutas sociais etc.” (VIANA, 2015, p. 47).
[3] Uma abordagem mais crítica pode ser vista em: http://redelp.net/revistas/index.php/rms/article/view/491/pdf

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