OS MOVIMENTOS JUVENIS E OS LIMITES DO PRESENTISMO
Marcus Gomes
Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília
(UnB).
Os movimentos sociais juvenis sempre tiveram a fama e
promoveram a expectativa de serem a esperança de mudanças radicais e
necessárias na sociedade e vistos como força propulsora nesse processo. No
entanto, o grupo social a que muitos atribuem um caráter de futurismo, muitas
vezes fica limitado ao presentismo. As lutas juvenis na contemporaneidade, por
sua vez, parecem presas ao paradigma hegemônico e não ultrapassa o discurso
progressista. Os movimentos juvenis perderam o seu significado utópico e sua
radicalidade?
Essa é uma questão complexa, pois existem, no interior dos
movimentos juvenis, contradições, limites, avanços, divisões, que dificultam
uma resposta unívoca. Porém, a juventude hoje não pode ser considerada uma “vanguarda”
do movimento futurista, ou seja, daqueles que apontam para a transformação
social radical e total. Alguns setores dela se alinham com tal perspectiva,
sendo minoritários, pois a maioria reproduz a sociedade existente e vê
alterações apenas no seu interior. Uma pequena parte fica ao lado do
conservadorismo assumido e a maior parte tende ao progressismo, um
conservadorismo reformista e esclarecido. Assim, a nossa tese é a de que os
movimentos juvenis perderam sua radicalidade por causa da conformidade
geracional dominante na contemporaneidade, que gera um presentismo que é
limitador de tais movimentos.
Isso pode ser visto no processo contemporâneo e nos limites
das lutas juvenis. As lutas juvenis na contemporaneidade se reduzem, na maioria
dos casos, a lutas “imediatistas”, “estilistas”, “institucionais” e raramente
lutas “autônomas” ou “revolucionárias”[1].
As lutas imediatistas ganham espaço e força na contemporaneidade, mais do que qualquer
outras. Isso tem a ver com os processos sociais mais amplos, especialmente a
constituição de um novo regime de acumulação e uma nova conformidade geracional
dominante. O regime de acumulação integral emerge com o neoliberalismo,
toyotismo e hiperimperialismo e faz emergir um novo paradigma, o subjetivista.
Assim, essa convergência de processos sociais e culturais
constitui uma nova geração uniformizada hegemônica em cada geração etária, o
que faz com que a juventude, hegemonicamente, realize a adesão às novas
ideologias e formas de contestação, aderindo às “novidades” da época,
geralmente comparadas com o que era hegemônico no regime de acumulação anterior[2].
Isso explica a tendência subjetivista hegemônica na juventude e nos movimentos
sociais em geral. Assim, a renovação hegemônica que impõe o subjetivismo acaba
atingindo a juventude e gerando uma geração uniformizada hegemônica marcada
pelas ideologias, concepções, representações, subjetivistas. As questões
juvenis do passado reaparecem sob interpretação subjetivista, tais como a
sexualidade, as drogas, a música e a arte em geral, etc. O caso da sexualidade
é exemplar para mostrar a hegemonia subjetivista, pois o que passa a valer é o “sujeito”
e sua “subjetividade”, independente de quais sejam e como foram produzidas
social e historicamente (o que é simplesmente apagado na maioria dos casos).
Novas questões juvenis aparecem, como derivadas das
anteriores, mas adaptadas e reinterpretadas a partir da nova hegemonia. Por
outro lado, emergem supostas questões novas, oriundas deste paradigma, tal como
a questão da “identidade” ou então a do “empoderamento”. E o “sujeito”, mero
produto social e histórico, se torna soberano, como se fosse autossuficiente ou
então um indivíduo cindido em duas partes: uma autêntica e em contraposição à
sociedade (como se essa parte também não fosse uma produção social) e uma
inautêntica e social. A proliferação de opressões emerge daí, bem como o
excesso de sensibilidade denunciado pelos conservadores. No plano dos movimentos
juvenis e outros movimentos sociais, proliferam uma novílingua: “vivência”, “lugar
de fala”, “identidade”, “empoderamento” etc. O foco em todos esses termos é o “sujeito”.
No interior dos movimentos juvenis, cabe destaque para o
movimento estudantil. Este, no entanto, há muito perdeu sua radicalidade e fica
dividido em lutas institucionais e lutas imediatistas. As lutas institucionais
se manifestam no movimento estudantil oficial e sua burocracia informal, que
usa elementos do discurso subjetivista, pois precisa de votos (para vencer as
eleições estudantis ou para o seu partido vencer as eleições na democracia
representativa) e por isso precisa ser populista e adepto dos modismos (além da
força real da hegemonia que também atinge os estudantes em geral). A oposição
reproduz a situação, pois também busca votos e cargos e está sob influência do
subjetivismo hegemônico. As lutas imediatistas hoje são comandadas pelas redes
sociais e por correntes de opinião, sem maior efetividade prática, a não ser em
certos momentos de agitação estudantil. Em certos momentos, o movimento
estudantil parece avançar, tal como nas ocupações estudantis em 2015 e 2016. As
ocupações estudantis de 2016 aparentemente eram lutas autônomas, e foi assim “festejada”
por alguns intérpretes (FERREIRA, 2017)[3],
mas também estavam submetidas à hegemonia subjetivista, mas no fundo foram
caracterizadas por focos de lutas autônomas convivendo com lutas estilistas,
imediatistas e influência de partidos e outras instituições e setores da
sociedade.
Nesse contexto, os “ventos de falsidade” (MARÍAS, 2003)
acabam se espalhando e se tornam quase irresistíveis. O presentismo prende os
indivíduos na contemporaneidade e isso pode ser visto nas tendências que se
pretendem “revolucionárias”, pois, afinal, elas também reproduzem grande parte
do que é hegemônico e não conseguem se desvencilhar dos “efeitos do
contemporâneo” (VIANA, 2014). Os demais movimentos juvenis estão ainda mais
submetidos ao presentismo, pois falta-lhe a articulação que a condição
estudantil permite aos estudantes.
Em síntese, os movimentos juvenis não escapam da hegemonia
burguesa e do presentismo. Os setores e tendências minoritários tentam
resistir, mas o seu impacto é diminuto. A esperança é que o trabalho de “velha
toupeira” dos setores minoritários, aliados com outros setores mais avançados
da sociedade, com os processos de ascensão do movimento operário e/ou de crises
no capitalismo, promova uma mutação nos movimentos juvenis. Assim, a luta dos
jovens mais avançados atualmente tende a se encontrar com outras lutas e com
uma mutação geral na juventude, abrindo espaço para o desenvolvimento do
processo revolucionário. Nesse momento, a juventude poderá retomar sua
radicalidade e seu significado utópico.
Referências
FERREIRA,
Carolina. Formação a contrapelo: as ocupações estudantis e o Exercício da
autonomia. Disponível em: http://anais.anped.org.br/sites/default/files/arquivos/trabalho_38anped_2017_GT14_1117.pdf
acesso em: 01/05/2018.
MARÍAS,
Julian. Tratado Sobre a Convivência.
Concórdia sem Acordo. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
VIANA, Nildo. Juventude e Sociedade. Ensaios Sobre a
Condição Juvenil. São Paulo: Giostri, 2015.
VIANA, Nildo. Os Efeitos do
Contemporâneo. Revista Despierta. V.
1, n. 1, 2014.
[1]
“Podemos, em linhas gerais, colocar que a contestação juvenil tende a se
realizar na seguinte sequência: a) lutas imediatistas; b) lutas estilistas; c)
lutas institucionais; d) lutas autônomas; e) lutas revolucionárias. (VIANA,
2015, p. 108).
[2]
“Assim, a cada regime de acumulação há a tendência a existir uma geração
uniformizada hegemônica nas quatro gerações etárias coexistentes (crianças,
jovens, adultos, idosos). Obviamente que a existência de uma geração
uniformizada hegemônica implica na de outras, não hegemônicas, com maior ou
menor importância dependendo do regime de acumulação, das lutas sociais etc.”
(VIANA, 2015, p. 47).
[3]
Uma abordagem mais crítica pode ser vista em: http://redelp.net/revistas/index.php/rms/article/view/491/pdf
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