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quarta-feira, 27 de junho de 2018

BREVES REFLEXÕES SOBRE OS MOVIMENTOS SOCIAIS NA ERA DA ACUMULAÇÃO INTEGRAL




BREVES REFLEXÕES SOBRE OS MOVIMENTOS SOCIAIS NA ERA DA ACUMULAÇÃO INTEGRAL


Gabriel Teles*




A análise histórica dos movimentos sociais, excetuando textos e obras descritivas (que são a grande maioria), ainda é bem incipiente e rudimentar. A importância do processo analítico a partir do método dialético, referente ao desenvolvimento dos movimentos sociais é um trabalho de suma importância que busca historicizá-los e inseri-los na totalidade das relações sociais. É certo que os movimentos sociais são uma totalidade; daí deriva que o desenvolvimento de sua teoria seja a partir de um universo conceitual. Mas é igualmente certo que a totalidade dos movimentos sociais está inserida numa totalidade mais ampla ainda, que é a da sociedade capitalista (o que deriva o modo de produção, Estado, cultura, sociedade civil, etc.). Portanto, qualquer análise que isole os movimentos sociais das determinações da sociedade no geral já nasce como uma proposta estéril de compreensão dos mesmos.
Nesse sentido, o que buscamos realizar no presente texto foi uma tentativa de análise dos movimentos sociais a partir do atual desenvolvimento da acumulação de capital, o regime de acumulação integral. Por este ângulo, estamos falando dos movimentos sociais contemporâneos, ou seja, a partir de meados da década de 80 até o presente atual.
Os movimentos sociais são mobilizações de determinados grupos sociais derivadas de certas situações sociais que geram insatisfação social, senso de pertencimento e determinados objetivos (VIANA, 2016). Cada um desses elementos é alterado e deslocado de acordo com a mudança da sociedade. Desse modo, os regimes de acumulação trazem grandes e importantes consequências para os movimentos sociais, já que suas determinações incidem direta e indiretamente na própria dinâmica dos movimentos, bem como seus surgimentos, mudança de objetivos, criação de ramificações, novas necessidades, novas organizações, etc.
O regime de acumulação integral
Assim como existe um desenvolvimento histórico da humanidade, há também um desenvolvimento histórico do capitalismo. Isto significa que o capitalismo possui uma história de vários séculos, com mudanças e permanências, mas sempre resguardando a sua essência que é a produção de mais-valor. Nesse sentido, o conceito de regime de acumulação é um instrumento preciso e correto para analisarmos as mudanças no interior da sociedade capitalista. É a partir das lutas de classes que esse desenvolvimento acontece, sendo os regimes de acumulação expressão da forma como o modo de produção capitalista, a partir da acumulação de capital, opera na sociedade. Em síntese, podemos definir regime de acumulação como um determinado estágio do desenvolvimento capitalista, marcado por determinada forma de organização de trabalho, determinada forma estatal e determinada forma de exploração internacional (VIANA, 2009). Devido ao espaço, não poderemos discutir sobre a periodização dos regimes de acumulação, o que faremos em outro trabalho, mas já partir do atual regime de acumulação, o integral.
O regime de acumulação integral iniciou-se no final do século XX (meados dos anos 80) e perdura até os dias atuais. No que tange à forma de organização de trabalho, o regime de acumulação integral se organiza através do toyotismo. Mas o que significa, em essência, o toyotismo? Para tanto, devemos nos remeter ao que se chama de “organização científica do trabalho”, que se inicia a partir do regime de acumulação intensivo onde ocorreu a criação do taylorismo, uma forma organizacional de controle da força de trabalho através de métodos “científicos”, em que o objetivo máximo era o aumento da produtividade e, por conseguinte, maior extração de mais-valor relativo.
A organização do trabalho também perpassa a questão da luta de classes, pois a sua mudança refere-se justamente às lutas operárias travadas contra a sua própria exploração (devido à resistência gerada pela exploração do trabalho alienado). Após o taylorismo outras formas de organização de trabalho, tais como o fordismo, fayolismo, etc., surgiram e centraram os seus objetivos em torno da disputa pelo mais-valor relativo. Portanto, não há grandes mudanças radicais que expressam uma ruptura marcante entre as diversas formas organizacionais do trabalho, e o toyotismo também não está fora deste esquema, apesar de alguns pesquisadores afirmarem que há sim uma diferença.
O toyotismo se diferencia do fordismo [...] devido à “flexibilização” que se encontra em oposição à rigidez daquele. Isso não contradiz, na verdade, as características do taylorismo, que estão presentes no fordismo. A grande mudança apresentada pelo toyotismo seria a produção submetida a este tipo de organização do trabalho estar voltada para a demanda do mercado, e não para a produção em massa, tal como no fordismo. (VIANA, 2009: pg. 68)
Em síntese, o toyotismo pode ser compreendido como uma adequação do taylorismo à nova fase do capitalismo; nova fase esta de integralidade da exploração capitalista, tanto através de maior extração da mais-valia relativa, quanto da mais-valia absoluta e uma ofensiva no curso de combate à queda da taxa de lucro médio.
Outro elemento constituinte dentro de um regime de acumulação é a sua forma estatal, que a partir da emergência do novo regime de acumulação integral, assume a forma do chamado neoliberalismo. A emergência do Estado Neoliberal se dá a partir da década de 80 do século XX. A farta literatura sobre o fenômeno do neoliberalismo possui um consenso a partir de alguns elementos gerais, tais como: predominância do mercado, venda das empresas públicas (privatizações), corte de gastos públicos, sobretudo os de cunho sociais, política repressiva e etc. (ANDERSON, 1998; ENZENBERGER, 1995; WACQUANT, 2001).
As consequências do neoliberalismo são as mais variadas. A primeira e mais perceptível é o aumento da pobreza e da desigualdade. Mesmo nos países mais ricos há um aumento da pobreza, da miséria, da fome, do desemprego e diminuição do poder aquisitivo de amplas parcelas da população. Isto tem efeito sobre o mercado consumidor, sendo que a faixa mais pobre acaba tendo sua capacidade de consumo reduzida. A desregulamentação do mercado permite o aumento da exploração (corrosão dos direitos trabalhistas) e perda de poder aquisitivo e de pressão por parte dos trabalhadores, bem como deixa as empresas mais livres para utilizar trabalho infantil e outras estratégias que geram mais desemprego e elevam o grau de exploração. Ao lado disso, o corte nos gastos estatais ocorre principalmente na diminuição das políticas sociais [...] gerando novas políticas sociais paliativas, que apenas amenizam superficialmente os graves problemas sociais existentes. (VIANA 2009, p. 89).
Como consequência, há uma massiva intensificação dos conflitos sociais, da violência urbana, etc. Essas consequências acabam legitimando aquilo que Wacquant expressa ao formular que o Estado Neoliberal é um Estado Penal (WACQUANT, 2001), ou o que o ideólogo Bobbio diz sobre como deve ser o estado ideal, um “estado simultaneamente mínimo e forte” (BOBBIO apud VIANA, 2009) – mínimo em sua interferência no mercado e nas formulações de políticas sociais e forte em seu papel repressivo e criminalizador. Assim, o Estado Neoliberal é um dos alicerces do regime de acumulação integral, servindo como um amortecedor de classes dado o caráter de integralidade da exploração e dominação capitalista em sua nova manifestação.
Outra característica dentro da concepção de regime de acumulação é a questão da exploração internacional que remete, por consequência, às relações internacionais. A mudança do regime de acumulação extensivo para o regime de acumulação intensivo provocou uma maior reprodução ampliada do capital, provocando também maior centralização e concentração do capital. Esse processo corroborou para a predominância do modo de produção capitalista por todo o mundo, integrando nações através da divisão internacional do trabalho, criando países de capitalismo imperialista (ou seja, em estágio de acumulação superior de capital) e países de capitalismo subordinado (subordinados aos países de capitalismo imperialista, devido à menor acumulação de capital, etc.). A formatação da exploração internacional no regime de acumulação de capital se dá através do neoimperalismo, que tem como finalidade aglutinar e generalizar a incessante busca de aumentar a acumulação de capital de forma integral, ou seja, intensificar a extração de mais-valor em nível internacional, explorando os países do bloco de capitalismo subordinado via mais-valor absoluto (conjugando, por ora, com o mais-valor relativo) e estendendo a exploração também nos países do bloco de capitalismo imperialista via mais-valor relativo.
Assim, o neoimperalismo produz um Estado neoliberal subordinado, que executa o papel de aumentar a exploração interna e, ao mesmo tempo, permitir o aumento da exploração externa. A proeminência de organismos internacionais na elaboração das políticas nacionais dos Estados subordinados (FMI, etc.) apenas revela esta subordinação e alguns dos mecanismos utilizados pelo bloco imperialista. [...] O neoliberalismo subordinado não só busca aumentar a exploração dos trabalhadores como também permite a transferência de parte do mais-valor ampliadamente extorquido para os países imperialistas. (VIANA, 2009, p. 105).
A compreensão do conceito de regime de acumulação e sua manifestação concreta contemporânea (regime de acumulação integral) são de suma importância para compreendermos as mudanças políticas e culturais que nos cercam cotidianamente. Apesar das determinações do regime de acumulação se realizarem através da organização de trabalho, da formatação do Estado e a questão da exploração internacional, mudanças em outras esferas, derivadas ou não destas determinações, como a cultural, ideológica, científica, cotidiana, etc., ocorrem e são fundamentais tanto para a legitimação e perpetuação da sociedade capitalista, quanto para a contestação da mesma, envolvidos na dinâmica das lutas de classe.
A questão que nos resta responder, nesse sentido, é: quais são os efeitos do regime de acumulação integral nos movimentos sociais? Há dezenas de determinações que podemos elencar que atingem direta ou indiretamente os movimentos sociais, mas focaremos em três delas que consideramos essenciais.
As três determinações que elencamos estão em consonância com as próprias determinações de um regime de acumulação que incidem diretamente nos movimentos sociais; ou seja, nos limitaremos a trazer alguns aspectos referente a mutação do processo de valorização e suas consequências sociais, da nova forma estatal, bem como a questão das relações internacionais.
O elemento do processo de valorização do capital que atinge diretamente os movimentos sociais é a crescente mercantilização existente derivada desse processo que, contemporaneamente, é chamada de hipermercantilização. A atual forma estatal é o neoliberalismo e este tem uma consequência direta nos movimentos sociais, tanto na relação do estado com os movimentos, quanto dos movimentos em relação ao estado. O atual tipo de relações internacionais é o neoimperalismo que terá consequências na questão espacial e na amplitude dos movimentos sociais.
Iniciaremos a nossa discussão com a questão da hipermercantilização.
Movimentos Sociais e a Onda da Hipermercantilização
O que nos interessa aqui é uma determinada forma histórica da mercantilização, denominada de hipermercantilização (VIANA, 2016). Ela corresponde a quinta e atual onda de mercantilização da sociedade capitalista. Antes de iniciarmos a relação entre os movimentos sociais e o atual desenvolvimento da mercantilização, faremos uma breve exposição dos elementos básicos da hipermercantilização.
A fala do atual presidente e ex-CEO da Nestlé[1], Peter Brabeck, em uma entrevista coletiva (COLLECTIVE EVOLUTION, 2016)[2], é sintomática sobre a distopia mercantil que se esboça com a hipermercantilização: para ele, a água não deveria ser um direito humano essencial, e sim tratada como qualquer outra mercadoria. Brabeck vem insistindo sobre essa ideia de “privatização” (no fundo, um processo de mercantilização) desde 2005, colocando em cheque, inclusive, elementos básicos para a sobrevivência humana em detrimento do lucro. A justificativa do ex-CEO é que o “subpreço” do produto faz com que a população mundial trate a água de forma negligenciada, aumentando exponencialmente o seu desperdício. Desmascarando esse discurso de legitimação para transformar a água como uma autêntica mercadoria, o que podemos ver é a existência de um movimento mundial que tem ambição de transformar tudo em mercadoria. Esse é o aspecto central da hipermercantilização encontrada na atual onda de mercantilização: a ampliação quase onipresente das relações mercantis.
A quinta onda de mercantilização inicia-se nos anos 80 e se estende até os dias atuais. Ela se dá em dois movimentos: o da intensificação do que já foi transformado em mercadoria/mercancia e o da criação de novas mercadorias/mercancias (e, por consequência, da criação de novas necessidades de consumo). O automóvel, que no regime de acumulação conjugado já começava a ter um crescente número de vendas, toma um nível quase generalizado nos países de capitalismo imperialista e uma inicial massificação nos países de capitalismo subordinado. O mesmo ocorre com os eletrônicos, especialmente celulares, computadores, e etc. O computador é também sintomático nesse sentido: esse bem material foi criado para a utilização em ações militares e ocupava salas imensas cheias de cabos e aparelhos que sustentassem o seu uso.
Com a necessidade de ampliação dos mercados consumidores para sustentar o moto-contínuo do desenvolvimento do capitalismo, o computador, ao longo do tempo, tornou-se uma mercadoria essencial, onde a tecnologia empregada em seu desenvolvimento tornou-o operacional para o conjunto sociedade. Atualmente, os computadores são utilizados para diversos fins: no controle de gastos de empresas, na sistematização e averiguação da burocracia estatal, na escrita de uma monografia, na confecção de um panfleto político, etc. O que antes tinha um fim tão-somente militar, acabou se tornando uma mercadoria fundamental na sociedade atual, criando outras mercadorias para o seu funcionamento ou ampliação de seu valor-de-uso (softwares, internet, etc.).
Além dos bens materiais tecnológicos, há também um exponencial aumento da mercantilização da cultura, sobretudo da música via “indústria cultural” (ADORNO, 1977), resultando na intensificação da cultura descartável (como por exemplo, a produção de hit’s que duram no máximo alguns meses em sucesso, que posteriormente é substituído por outro e assim sucessivamente, criando a necessidade de sempre estar comprando novos CD’s, baixar músicas, etc.).
Nesse contexto, há uma hipermercantilização. Novos espaços, produtos, processos, objetos, vão se tornando mercadorias ou mercancias. Até os seres humanos, vítimas de tráfico, órgãos do corpo humano, entre outros elementos que ninguém imaginaria que poderia ser mercantilizado há dois séculos, época de uma sociedade já mercantilizada, passam a ser mercadorias/mercancias (VIANA, 2016: p. 67-68).
O que colocamos acima são alguns elementos da hipermercantilização na sociedade capitalista contemporânea. Mas qual são seus efeitos para os movimentos sociais?
A primeira consequência desse processo para os movimentos sociais é o fortalecimento da hegemonia burguesa, sobretudo na época de constituição e legitimação do regime de acumulação integral (década de 80). Com o final da crise, lançada com os últimos suspiros da acumulação conjugada, o equilíbrio do capital é alcançado e, com ela, a estabilidade das lutas de classe em favor da classe dominante (burguesia).  Nesse sentido, os conflitos sociais acabam sendo realocados para questões e insatisfações específicas; as lutas de origem grupal tornam-se quase hegemônicas, em aparência, na dinâmica da sociedade, impulsionando ações que se mantêm tão-somente em níveis reivindicativos em diálogo com o Estado (neoliberal) ou com a sociedade civil, fator de grande desmobilização e cooptação dos movimentos sociais.
Com o crescimento do número de movimentos sociais, surge igualmente o crescimento de suas organizações, bem como necessidades de recursos financeiros e materiais. Isso traz consequências diretas na dinâmica da escala mercantil dos movimentos sociais.  Com a mercantilização às extremas, os movimentos sociais não escapam desse processo e a necessidade financeira torna-se um imperativo categórico em grande parte destes. Com a hipermercantilização, cresce exponencialmente o número de organizações mobilizadoras com escala máxima de mercantilização.
Nesse sentido, uma das grandes novidades dos movimentos sociais no regime de acumulação integral, no que tange ao estágio de mercantilização[3], é a autonomia de determinadas organizações mobilizadoras que vão se metamorfoseando em outra coisa. É no final dos anos 80 e início da década de 90 que vão surgir, de forma mais cristalizada e juridicamente estabelecidas, as Organizações Não-Governamentais (ONGs) derivadas, em grande parte, dos movimentos sociais. A expressão ONG surge pela primeira vez na década de 40, através da Organização das Nações Unidas (ONU), para designar entidades não-oficiais que recebiam ajuda financeira de órgãos públicos e privados para executar projetos de interesse social, dentro de uma filosofia de trabalho denominada desenvolvimento da comunidade. No Brasil, no entanto, essas entidades ficaram conhecidas como organizações de “cooperação internacional” (COUTINHO, 2011). Mas foi só a partir da década de 90 que as ONG’s começaram a cristalizar o seu verdadeiro caráter burocrático e mercantil, com o processo de captação de recursos via Estado, empresas privadas e fundações e instituições internacionais, bem como a sua ação regulada juridicamente.
As ONGs, nessa perspectiva, se apresentam como organizações derivadas ou relacionadas aos movimentos sociais[4], mas sua razão de ser é outra. Elas estão concatenadas ao próprio desmonte do Estado via neoliberalismo, relegando as obrigações e deveres estatais (de fomentar e garantir direitos básicos) para a sociedade civil. No entanto, esse engajamento da sociedade civil é feito de forma despolitizada:
Esse projeto arquiteta a sociedade civil em um espaço não político, livre de coerções e de restrições, como uma região autônoma das influências do poder estatal, marcada pela associação "voluntária" de indivíduos, "o reino da espontaneidade", ora como sujeito, ora como espaço. Uma abordagem que, ao contrário do que se pensa, é composta de ideologias e posição em defesa de uma classe - a dominante. É nesse espaço, de concepção tortuosa que são inseridas essas "novas" representações da mudança e da "sociedade civil", do no gerencialismo, do novo voluntariado, "sem fins lucrativos": as "organizações não governamentais", de origem privada, que surgem com a função de executar os "bens públicos", principalmente aqueles que o mercado ainda não ocupava: a educação, pesquisa, a assistência social etc. (RIOS JUNIOR, 2013: p. 121).
O desligamento entre as Organizações Não-Governamentais e os movimentos sociais se dá pela mudança de objetivos[5], já que pela crescente mercantilização (captação de recursos via estado ou empresas privadas) e burocratização (criação de um estatuto legalizado por órgãos estatais, assalariamento, relação entre dirigentes/dirigidos) essas ONG’s começam a se autonomizarem e ter objetivos próprios (como a sua manutenção, obtenção de maior captação de recursos, ampliação do espaço etc.) que não estejam ligados aos movimentos sociais que lhe deram origem. A captação de recursos financeiros é metamorfoseada para um objetivo em si mesmo, colocando as ONG’s, em sua quase totalidade, na escala máxima mercantil.
A hegemonia burguesa, nesse sentido, é reinante. Os diversos movimentos sociais, na era da acumulação integral, no que tange a mercantilização, exprimem seus respectivos vínculos de classe de acordo com a luta de classes atual.
Movimentos Sociais, Neoliberalismo e a atual onda de burocratização
Como colocamos anteriormente, o Estado é a principal forma de regularização da sociedade capitalista e tem uma grande influência e consequência para os movimentos sociais. Cada regime de acumulação possui uma forma estatal que orienta e regulariza a sociedade de acordo com os interesses da classe dominante e com o desenvolvimento da acumulação de capital. Na atualidade, isto é, na acumulação integral, a forma estatal é o neoliberalismo. Ou seja,
[...] se refere a um projeto de classe que surgiu na crise dos anos 1970. Mascarado por muita retórica sobre liberdade individual, autonomia, responsabilidade pessoal e as virtudes da privatização, livre-mercado e livre-comércio, legitimou políticas draconianas destinadas a restaurar e consolidar o poder da classe capitalista. Esse projeto tem sido bem-sucedido, a julgar pela incrível centralização da riqueza e do poder observável em todos os países que tomaram o caminho neoliberal (HARVEY, 2011, p. 16).
Esta nova forma estatal traz um conjunto de determinações que modificam as formas sociais e traz consequências na dinâmica da luta de classes e demais conflitos que são irradiados por ela, utilizando diversas estratégias:
Todas essas estratégias, assim como várias outras, exigiram uma série de alterações nas formas de regularização das relações sociais de forma geral - na totalidade da legislação de diversos países em todo o mundo, na totalidade das regras do sistema financeiro mundial, na totalidade da política econômica, na totalidade das políticas sociais que abandonaram de forma cruel as classes mais necessitadas, na política estatal repressiva etc. -, enfim, ocorre uma alteração estrutural na forma estatal, que deixa de ser integracionista para tornar-se neoliberal, adequando-se e fazendo outras classes sociais se adequarem, inclusive à base de uma repressão semifascista, às exigências dessa nova ofensiva burguesa e, por conseguinte, assegurando as melhores condições reprodutoras do capitalismo em escala mundial (BRAGA, 2016, p. 42-43)

Nesse sentido, no presente tópico, analisaremos a relação entre os movimentos sociais contemporâneos e neoliberalismo a partir das três formas de atuação do Estado para com os movimentos sociais: cooptação, repressão e burocratização.
A cooptação no neoliberalismo traz algumas especificidades importantes que incidem diretamente nos movimentos sociais e na dinâmica de sua hegemonia, tanto no que chamamos de cooptação direta quanto indireta. Com a reconfiguração do Estado e a diminuição drástica de gastos e funções “sociais” (assistencialistas), muitas dessas funções são relegadas à sociedade civil, sobretudo às organizações mobilizadoras, que ora podem ser ramificações dentro dos movimentos sociais, ora fora ou já desvinculadas a eles (como o caso da grande maioria das grandes ONG’s) enquanto burocracias formais. É neste contexto que surgem as medidas paliativas estatais:
O Estado neoliberal, ao contrário do seu antecessor, não possui um conjunto de políticas estatais voltadas para o chamado “bem-estar social” e sim uma forte política repressiva e um conjunto de paliativos que buscam amenizar as contradições sociais da cooptação e responsabilização da sociedade civil. É neste contexto que há a expansão do “terceiro setor”, das ONG’s, etc., bem como novas ideologias e ações que jogam para a sociedade civil as antigas responsabilidades estatais (voluntariado, amigos da escola etc.). Assim, as políticas estatais neoliberais são políticas paliativas, isto é, não visam à resolução de problemas sociais e sim sua amenização, não estruturam um conjunto de políticas estatais voltadas para áreas chaves, mas sim para legitimar e desmobilizar reinvindicações sociais mais intensivas e resolutivas. Isto está de acordo com o princípio neoliberal de diminuir os gastos sociais, já que tais políticas possuem custos muito mais baixos (VIANA, 2009, p. 286).
Estas medidas paliativas, também chamadas de “políticas públicas”, são uma forma de amortecimento das lutas de classes que atingem os movimentos sociais. O chamado microrreformismo (BRAGA, 2007; VIANA, 2009) é uma grande fonte de cooptação de diversos grupos sociais. A cooptação direta contemporânea se dá de diferentes formas, dependendo do país (neoliberalismo protecionista ou não), da configuração, do governo neoliberal (populista ou discricionário), etc. No Brasil, por exemplo, diversos movimentos sociais foram cooptados a partir de suas lideranças, onde o Estado, ou seu aparato, forneceram cargos e vantagens competitivas. Isso contribui para que os movimentos sociais não entrem em conflito com os respectivos governos do Estado, já que há uma certa domesticação dos mesmos, buscando oferecer medidas paliativas a todo esse processo, sendo legitimado e almejado pelas lideranças.
As universidades oferecerem dezenas de ideologias para justificar e legitimar todo o processo de aceitação e criação de bandeiras de “lutas” em torno do microrreformismo e das medidas políticas paliativas. É assim que surge a discussão em torno da exclusão/inclusão social (sobretudo na França) e os estudos referente às “ações afirmativas” (inicialmente nos Estados Unidos e posteriormente “exportado” para o Brasil), por exemplo. Grupos sociais tornam a se fundir e desenvolver ramificações de movimentos sociais em torno dessas ideologias, buscando financiamento no Estado, sendo presas fáceis para a cooptação.
É aqui que entra também a cooptação indireta, via financiamento indireto do Estado, a partir de ONG’s, Grupos de Pesquisa de Universidades, etc. Rios de dinheiro são despejados para fomentar a ação política de determinadas organizações mobilizadoras que buscarão ampliar e aprofundar o microrreformismo, passando ao largo das medidas que podem realmente transformar e ir à raiz do problema e da insatisfação social reivindicado. Determinados setores do movimento negro, no que tange a aceitação e mobilização em relação às “ações afirmativas de cotas” são sintomáticas nesse sentido no Brasil. Bourdieu e Wacquant (2001) observaram bem essa questão, ao demonstrar que esse tipo de medida não se restringe a um só país, mas à própria dinâmica das políticas mundiais, relacionando divisão internacional do trabalho e sua regularização via Estado:
Poder-se-ia invocar, evidentemente, o papel motor que desempenharam as grandes fundações americanas de filantropia e pesquisa na difusão da doxa racial norte-americana no seio do campo universitário brasileiro, tanto no plano das representações, quanto das práticas. Assim, a Fundação Rockfeller financia um programa sobre “Raça e etnicidade” na Universidade Federal do Rio de Janeiro, bem como o Centro de Estudos Afro-Asiáticos (e sua revista Estudos Afro-Asiáticos) da Universidade Cândido Mendes, de maneira a manter intercâmbio de pesquisadores e estudantes. Para a obtenção de seu patrocínio, a Fundação impõe como condição que as equipes de pesquisa obedeçam aos critérios de affirmative action à maneira americana (BOURDIEU & WACQUANT, 2001, p.25)
Este é só um exemplo concreto do Brasil, país de capitalismo subordinado. Cada país terá uma especificidade e uma forma de cooptação diferente, mas resguardando-se nas medidas neoliberais.
A cooptação atinge, sobretudo, os movimentos sociais reformistas e sua tendência hegemônica pelo próprio caráter reivindicativo endereçado ao Estado, bem como a sua composição de classe estar mais ligado ao bloco dominante e ao bloco progressista.
E como opera a repressão no neoliberalismo em relação aos movimentos sociais? Sabemos que a repressão pode ser aplicada de forma preventiva ou seletiva e/ou generalizada. No regime de acumulação integral, a repressão toma uma dimensão de grande importância, já que o aumento da pobreza derivada da maior extração de mais-valor, tanto absoluto quanto relativo (ou seja, exploração), cria condições de maior revolta e resistência por parte das classes desprivilegiadas. Nesse sentido, se o Estado deve ser mínimo em seus gastos sociais, deve ser máximo e forte em combater e reprimir o descontentamento social, sobretudo das classes trabalhadoras (em especial o operariado) e de determinados setores dos movimentos sociais.
Quanto mais a erradicação da pobreza for relegada a um futuro indefinidamente longínquo, mais se considerará a repressão política como uma tarefa de longo prazo. Porque só a repressão política é que permite uma longa convivência com a pobreza. O Estado-Nação anterior é assim substituído pelo Estado autoritário policial [...] Por conseguinte, começa-se a falar de uma “nova democracia”, que é simplesmente a declaração sistemática do fim da democracia liberal. A nova democracia é o estado policial (HINKELAMMERT, 1979, p. 103).
Quanto à questão da repressão, Wacquant (2003), por exemplo, vai chamar o Estado norte-americano de Estado-Centauro:
[...] nem “protetor” no sentido que o termo assume nos países do Velho Mundo, nem “mínimo” e não-intervencionista como sonham os turiferários do mercado. Seu lado social e os benefícios que distribui são cada vez mais monopolizados pelos privilegiados; sua vocação disciplinar se afirma principalmente na direção das classes inferiores e das categorias étnicas dominadas. Este Estado-Centauro, guiado por uma cabeça liberal montada sobre um corpo autoritarista, aplica a doutrina do “laissez faire, laissez passer” a montante em relação às desigualdades sociais, mas mostra-se brutalmente paternalista a jusante no momento em que se trata de administrar suas consequências (WACQUANT, 2003, p. 20-21).
Nesse sentido, os movimentos sociais são bombardeados pela repressão em todas as suas modalidades (preventiva, seletiva, generalizada) e sua criminalização (a principal forma de legitimar a repressão) é facilitada pela legislação rígida e penal àqueles que contestam e ousam combater as medidas neoliberais. A tendência revolucionária dos movimentos sociais reformistas são os mais atingidos pela repressão, posto que suas ações confrontam a lógica neoliberal e ameaça, em determinados elementos, alguns interesses econômicos ou políticos da classe dominante.
Por fim, temos a questão da burocratização. A burocratização pode ser gerada tanto a partir do Estado quanto da sociedade civil. Mas o que é afinal, esse processo de burocratização?
Compreende-se como burocratização o processo de transformação de relações não burocráticas em relações burocráticas, que implicam na existência de uma classe - a burocracia - cuja função primordial é servir à reprodução da ordem social classista, tanto por sua atuação na administração estatal quanto na gestão do capital e do trabalho, assim como na direção de organizações e instituições da sociedade civil (SILVA, 2014, p. 45).
Apesar da concordância na quase da totalidade da conceituação de Santana da Silva sobre o processo de burocratização, temos só um ponto de discordância: o referido autor discorre que a função primordial da burocracia é servir à reprodução da ordem social classista. No entanto, devemos nos atentar as especificidades históricas das classes sociais existentes. A burocracia surge com o processo de burocratização das relações sociais, que é específico do modo de produção capitalista. Ou seja, não se pode relegar a burocracia a gestão da ordem social classista, de forma universal. Já que em outros modos de produção, também classistas, foram outras classes sociais que fizeram esse papel de “gestão” (no caso dominação). É necessário se atentar ao princípio da especificidade histórica. Entendemos burocratização então como criação ou o aumento de organizações burocráticas e a intensificação do controle social (pela classe burocrática).
Nesse sentido, burocratização gerada pelo Estado está umbilicalmente atrelada à questão da cooptação. O que podemos acrescentar, nesse aspecto, é que a cooptação gerada por financiamentos e repasse de outros recursos gera a necessidade de formalização, devido às exigências legais dos editais, etc. O neoliberalismo gera diversas barreiras para a legitimação dos movimentos que não estejam formalizados e/ou ancorados pela lei:
[...] toda e qualquer resolução dos conflitos sociais devem se restringir à ordem constitucional, mediada pelos tribunais e conforme o direito burguês, isto é, a única “contestação” aceitável é aquela que percorre passivamente os canais institucionais (brigas judiciais, disputas eleitorais, o voto consciente e outras farsas mais) domesticados para não comprometerem o fluxo da acumulação integral e a sociabilidade burguesa necessária para ela (BRAGA, 2016, p. 43).
Os movimentos sociais, portanto, são coagidos ou forçados a desenvolver sua burocratização para conseguirem captar recursos, financiamentos, etc. Mas isso está ligado também a questão da hegemonia interna, geralmente sendo os movimentos sociais reformistas a caírem nesse “canto da sereia”.
Quanto a burocratização dos movimentos sociais a partir da sociedade civil, podemos observá-la a partir da questão das ondas de burocratização (que acompanha, simultaneamente, as ondas de mercantilização). As ondas de burocratização também seguem o desenvolvimento da acumulação de capital[6], e tem seu ponto de partida do nosso interesse aqui quando surge a sociedade civil organizada na época do capitalismo oligopolista (VIANA, 2016).
O neoliberalismo gera à quarta onda de burocratização, trazendo consequências para os movimentos sociais que o crescimento exponencial da inserção do fenômeno burocráticos nas organizações mobilizadoras dos movimentos sociais. A escala máxima de mercantilização junta-se agora com a questão do grau de burocratização, determinando o desligamento de várias organizações dos movimentos sociais que lhe deram origem. Nesse sentido, começam a surgir as burocracias formais no bojo desse processo, como as ONG’s que discutimos em páginas anteriores. Atualmente, muitas dessas burocracias formais, surgidas inicialmente como ramificações de movimentos sociais, mas autonomizadas depois da burocratização e mercantilização, utilizam várias formas de ofuscar o seu desligamento dos movimentos. Um exemplo dessas formas é o ofuscamento dos verdadeiros objetivos da organização:
Quando uma organização (o que vale também para tendências, indivíduos, etc.) deixa de ser mobilizadora e se torna burocrática, ela pode manter o discurso anterior. Essa manutenção do discurso visa se legitimar apesar de já não ser mais o seu objetivo real, verdadeiro. Nesse caso, temos a dicotomia entre objetivo real (verdadeiro, mas oculto) e objetivo declarado (falso) (VIANA, 2016, p. 119).
Também podemos observar que a sociedade civil, no processo de burocratização, pode indiretamente influenciar os movimentos sociais. Esse é o caso das organizações como as igrejas, partidos políticos, clubes, etc. Os partidos políticos são as organizações que mais tem influência dentro dos movimentos sociais, geralmente fazendo o processo de aparelhamento[7]. Mas como não é o foco de nosso trabalho, só deixaremos como umas das possibilidades da sociedade civil organizada influenciar os movimentos sociais.
Movimentos Sociais e o Neoimperialismo
O capitalismo é fundamentado na busca incessante do aumento da taxa de exploração. Com isso, existe uma necessidade, por essência, de sua expansão. É nesta dinâmica e nesta determinação do capital que o neoimperialismo é constituído:

Ele cumpre o papel de generalizar a busca de acumulação integral em todo o mundo e reproduzir o processo de exploração intensificado nas relações internacionais, o que é complementar, pois quanto maior é a exploração nos países de capitalismo subordinado, maior é o quantum de mais-valor produzido, o que possibilita, por sua vez, um maior índice de transferência de mais-valor dos países subordinados para os países imperialistas. [...] Por conseguinte, a generalização mundial do neoliberalismo e da reestruturação produtiva são partes da estratégia do capital visando combater a queda da taxa de lucro (VIANA, 2009, p. 104).

Desde o seu início, foram criadas e desenvolvidas diversas ideologias para ofuscar esse processo de maior exploração que é efetuada pelo capitalismo contemporâneo. Uma delas é a ideologia da globalização (VIANA, 2009).
A discussão acerca do neoimperalismo aqui, no entanto, versa sobre sua relação com os movimentos sociais. Como podemos efetuar esta análise? Trataremos de algumas consequências políticas e econômicas que o neoimperialismo traz para os grupos sociais que se fundem e tornam a virar movimentos sociais.
Com a necessidade de extração de mais-valor tanto absoluta quanto relativa, medidas que intensificaram a exploração capitalista no mundo todo foram aprofundadas e trouxeram consequências para as classes e grupos sociais. A divisão internacional do trabalho se complexifica de tal forma que as formas de regularização da sociedade tiveram que acompanhar esse processo (sobretudo o estado, que se tornou o neoliberalismo) assim como a lógica de produção (“reestruturação produtiva”). As organizações internacionais, tais como a Organização das Nações Unidas (ONU), Fundo Monetário Internacional (FMI), entre outros, começam a legitimar todo esse processo a partir de um discurso “globalista”, se colocando como os mediadores políticos e econômicos de uma “nova ordem mundial” que brotou no mundo chamada “globalização”.
A intensificação e ampliação da exploração (que agora se tornou literalmente mundial, ou seja, ocupando todo o globo terrestre, tornando o modo de produção capitalista onipresente em todos os lugares possíveis) possibilitou também a resistência e luta contra esse processo de forma intensa e ampliada. Com o avanço das tecnologias de comunicação, sobretudo com a popularização da internet, impulsionou a integração do capital de forma nunca vista antes (sobretudo do capital financeiro, atualmente com quase suas transações feitas via rede). Da mesma forma, a internet serviu como um grande catalisador dos conflitos sociais, tornando-se uma plataforma onde movimentos sociais trocavam experiências e intercambiavam pautas que englobava todos eles.
         As medidas de austeridade que o FMI, Banco Mundial, BIRD, coagiram os países de capitalismo subordinado a implementarem em seus territórios em troca de “ajuda financeiro”, “subsídio”, etc., trouxeram consequências indeléveis para as classes desprivilegiadas, aumentando pobreza, desigualdade social, criminalidade e etc. Todo esse processo, uniformizador, unem grupos sociais que, sem outras escolhas, resistem e buscam sanar suas insatisfações sociais.
Os movimentos que ficaram conhecidos como Movimento “Antiglobalização” é fruto desse processo, de recusa e resistência contra o avanço da exploração e dominação feita pelo regime de acumulação integral. O movimento antiglobalização é uma constelação de movimentos sociais diversos, bem como outras organizações (burocráticas ou não), com pautas difusas, mas que se portam como uma das respostas dos movimentos sociais a diversas consequências que e o neoimperialismo (junto com o neoliberalismo) trouxe para as classes e grupos desprivilegiados.
Começando com a emergência da rebelião dos zapatistas no Sul do México (1994) e continuando com as batalhas de Seattle (1999), Washington, D.C. e Praga (2000), Quebec (2001), Gênova (2002) - estas por ocasião de protestos durante reuniões de cúpula da OMC, do FMI ou Banco Mundial - aparece em cena uma nova forma de luta popular contra a globalização: as redes mundiais de movimentos sociais antiglobalização (SIQUEIRA, C. E. et al., 2003, p. 853).




O impacto do regime de acumulação integral nos movimentos sociais
Os movimentos sociais conservadores, devido a sua composição de classe ser quase sempre das classes dominantes, tendem a reforçar a hegemonia burguesa para a conservação do capitalismo e busca, a partir de uma escala máxima de mercantilização (já que os indivíduos que os compõe possuem recursos financeiros altos ou são financiados por empresas, multinacionais, etc.) reproduzir e ampliar seus objetivos. A aloctonia e a intolerância dos movimentos sociais conservadores contemporâneos estão ligadas, por exemplo, às relações de poder que imperam na divisão internacional do trabalho no capitalismo imperialista e subordinado (movimentos nacionalistas, xenófobo, fundamentalismo religioso, etc.). Os movimentos sociais conservadores contemporâneos possuem, dependendo de seus objetivos e aceitação de suas reivindicações pela população em geral, uma maior facilidade de angariar recursos em nível não só nacional, mas internacional, já que com o desenvolvimento dos meios de comunicação e das facilidades de transferência de dinheiro via internet para qualquer lugar do mundo, estes podem se conectar e estabelecer vínculos de aliança, formas de financiamento mútua, etc.
Um exemplo concreto de movimentos sociais conservadores forjados no regime de acumulação integral seria os movimentos xenófobos da Europa Ocidental, que se inicia na década de 90, mas se consolida nos anos 2000 em diante. Com a dissolução do Estado Integracionista (“Estado de Bem Estar Social”) europeu devido à crise de acumulação conjugada, a população europeia vê direitos de assistência serem desmantelados e o número de empregos caírem. A crise atinge não só os países de capitalismo imperialista, mas os países de capitalismo subordinado também de forma mais intensa, coexistindo a exploração simultânea do mais-valor absoluto e relativo. Nesse sentido, o processo migratório atinge números altíssimos, onde latino-americanos, africanos e asiáticos procuram uma melhor perspectiva de vida e trabalho nos países europeus. Esse fenômeno migratório cria resistência por parcela da população europeia, já que ela se vê ameaçada, na possibilidade de perda de emprego, identidade, etc. Os movimentos sociais xenófobos buscam combater esses migrantes em seus vários aspectos: culturais, econômicos, religiosos e etc. Organizações mobilizadoras como Bloc Identitaire na França, CasaPound na Itália e English Defence League no Reino Unido, vão crescendo nos últimos anos. A hipermercantilização os impele a se estruturarem e buscarem cada vez mais recursos financeiros para fazerem o processo de luta cultural e ações que exigem muitos materiais. Alguns desses movimentos podem se autonomizar e virarem verdadeiras organizações burocráticas, inclusive virando partidos políticos, como no caso do exemplo grego de 2009 (O partido político “Aurora Dourada” que antes era uma ramificação do movimento social xenófobo).
Os movimentos sociais reformistas, por serem os que possuem o maior volume de indivíduos e organizações em seu bojo, têm uma maior ressonância nos conflitos sociais contemporâneos. Nesse sentido, é necessário percebê-los e analisá-los a partir de suas tendências (conservadora, reformista e revolucionária). A tendência conservadora dos movimentos sociais reformistas é ampliada no regime de acumulação integral, sobretudo nos grupos sociais orgânicos, onde existe uma tendência maior a expressarem aloctonismo[8] (mais exaltado) e autoctonismo[9] (de tendências mais moderadas). A origem do aloctonismo e autoctonismo é geralmente o ressentimento provocado pela opressão ou desiquilíbrios psíquicos de indivíduos que podem se coletivizar. Mas no regime de acumulação integral, é desenvolvido e consolidado uma forma sistemática de justificativa desses processos. É a partir do pós-estruturalismo que o aloctonismo e o autoctonismo tomam legitimidades ideológicas, o que contribuiu para a sua expansão em números de adeptos, já que, devido aos altos recursos e financiamentos recebidos de grandes fundações e universidades, ela torna-se hegemônica no meio acadêmico e intelectual do mundo. Assentado no irracionalismo, o pós-estruturalismo torna-se uma verdadeira contrarrevolução preventiva[10] na sociedade, desviando os conflitos para questões pontuais e específicas, sem relacioná-las com a totalidade das relações sociais capitalistas, amortecendo as lutas de classes. Uma parcela dos movimentos sociais orgânicos (sobretudo os que estão inseridos na Universidade e demais espaços influenciados por ela) é influenciado ou cooptado por essas ideologias e reproduzem em suas práticas mobilizadoras. Exemplos desse processo seriam determinados setores do movimento negro e movimento das mulheres. Em síntese, os movimentos sociais reformistas de tendência conservadora se fortaleceram no regime de acumulação integral. Atualmente é uma grande força política no mundo, ditando determinadas agendas políticas, mobilizando milhões de reais e contribuindo para o ofuscamento das verdadeiras causas que tomam suas insatisfações sociais.
Já a tendência reformista, após a estabilidade na acumulação de capital que cada mudança de regime traz, e com o novo rearranjo da organização de trabalho (taylorismo), forma estatal (neoliberalismo) e relações internacionais (neoimperalismo) e o aprofundamento da exploração, trouxeram significativas mudanças, sobretudo em sua relação com o Estado. Mas essas mudanças, evidentemente, dependem da composição social dos movimentos sociais reformistas. Se a composição é predominante de origem das classes exploradas, as contradições serão maiores. Esses movimentos sociais ficaram conhecidos como “movimentos sociais populares”. Suas reinvindicações estão relacionadas a necessidades imediatas, com à saúde, educação, moradia, etc. No Brasil, por exemplo, muitos movimentos sociais populares após a redemocratização do país, que antes tinham uma perspectiva de confronto direto ao Estado (na época, governado por uma ditadura militar), pós-1988, começam a mudar suas mobilizações e sua maneira de agir com o Estado. Se antes a forma de atuação era o confronto, começa a se esboçar uma relação de negociata a partir das regras institucionalizadas, sem muita fissura com os arranjos estatais e governamentais. Muitas ramificações desses movimentos começam a aumentar a suas escalas mercantis, procurando formas de financiamentos em editais de fundações, políticas públicas e etc., o que faz essas ramificações perderem sua autonomia e independência financeira. É o processo de institucionalização e burocratização desses movimentos sociais. A partir de 2002, com o Governo de Luís Inácio Lula da Silva, que teve a sua vitória com contribuições dos movimentos sociais originadas da relação com o Partido dos Trabalhadores (PT), determinadas ramificações começam a participar da gestão do governo e são paulatinamente cooptadas, tornando os objetivos do governo como seus próprios objetivos, criando um distanciamento entre os dirigentes desses movimentos com sua base, amortecendo qualquer tipo de conflito que venha a ter com o governo. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) é sintomático nesse sentido. Considerado uma ramificação do movimento de reforma agrária no Brasil, na gestão dos governos do Partido dos Trabalhadores, teve um baixíssimo índice de novos assentamentos, não criando complicações com o agronegócio (Inclusive se aliando ele, em determinados projetos, como o da Fibria[11]) grande aliado do governo.
A tendência revolucionária dos movimentos sociais reformistas é a mais marginal das tendências, mas possui relativa relevância a partir de meados dos anos 2000, recheada de contradições mas presentes nos conflitos políticos dentro do regime de acumulação integral. O movimento que ficou conhecido como “Antiglobalização” que aglutinou um conjunto de movimentos e organizações (e alguns deles, de tendência revolucionária) é sintomático nesse sentido. No Brasil, por exemplo, a reemergência das lutas autônomas (MAIA, 2016) forjou ramificações de movimentos sociais, bem como organizações mobilizadoras, que aglutinaram perspectivas políticas contra o Estado e tendo um projeto (ao menos discursivamente) de transformação social. Ou seja, demandas de determinados movimentos sociais estavam ligadas não só a uma insatisfação social específica (como a questão do transporte, educação, etc.), mas na própria totalidade das relações sociais capitalista. O movimento estudantil, a partir da dualidade reivindicatória e entrelaçamento reivindicativo (VIANA, 2016) estabelecidas nas novas organizações estudantis, esboçaram avanços nas Jornadas de Junho de 2013 (sobre a questão do transporte e passe livre) e nas Ocupações das Escolas Secundárias em diversos Estados brasileiros (fechamentos das escolas em São Paulo, implementação das Organizações Sociais em Goiás, etc.). Estas experiências estão em constante processo de recuos e avanços e inicialmente de forma isolada e incipiente.
Por fim, os movimentos sociais revolucionários não se apresentaram ainda no regime de acumulação integral, são quase inexistentes. Isso se dá devido a não hegemonia do proletariado na sociedade no geral.
Assim, as tendências revolucionárias se encontram num contexto desfavorável quando é momento de estabilidade ou de acirramento da luta de classes sem o respectivo fortalecimento do proletariado e do bloco revolucionário. É nesse contexto que emerge um processo de maior receio e mais cuidado, o que também ocorre quando aumenta a repressão (regimes ditatoriais, etc.) (VIANA, 2016, p. 79).
 O movimento operário ainda está adormecido e não se apresentou enquanto classe autodeterminada nas lutas de classes contemporânea. E isso traz enormes dificuldades na constituição de um movimento social revolucionário.
Considerações Finais
Em síntese, os movimentos sociais na era da acumulação integral estão perpassados e são respostas também ao neoliberalismo, à hipermercantilização e ao neoimperialismo (para ficar só nas determinações que analisamos aqui, já que existem outras). Isto significa também dizer que centenas de movimentos sociais, milhares de ramificações estão perpassado também às lutas de classe no capitalismo. Como demonstramos, os movimentos sociais não possuem objetivos tão-somente emancipatórios, mas em sua grande maioria, suas mobilizações estão mais próximas à reprodução da lógica das relações sociais capitalistas do que um vislumbre de contribuir[12] com projeto político emancipador, no sentido revolucionário do termo. É sintomático que os movimentos sociais reformistas sejam hegemônicos e possuam o maior número de adeptos atualmente. Mas esse quadro pode mudar de acordo com a dinâmica das lutas de classe.
O regime de acumulação integral é a atual fase do capitalismo, mas isso não significa que ele se perpetuará para sempre. Devido à própria tendência da crise cíclica do capital de ter de se reinventar ciclicamente para poder continuar existindo, em algum momento a acumulação integral irá ruir, como os anteriores regimes de acumulação. A crise de acumulação de capital leva a intensificação das lutas de classes, clarificando os interesses de cada classe social bem como uma maior percepção dos blocos sociais. Nesse sentido, se aponta duas possibilidades históricas: a vitória da classe dominante (burguesia), e com isso a instauração de um novo regime de acumulação ou a vitória do proletariado, onde ocorre um processo de revolução via transformação social, possibilitando, enfim, a emancipação humana.
Os movimentos sociais estão inseridos nessa lógica. Cada um deles terá um papel de contribuição ou para reproduzir e legitimar a sociedade capitalista ou se unir ao proletariado e contribuir para a emancipação humana e a transformação social. Só o tempo para nos fornece o rumo e fortalecimentos dos movimentos sociais, bem como suas funções na dinâmica nas lutas de classes.

Referências

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RESUMO:
O presente texto tem como objetivo trazer uma análise da dinâmica dos movimentos sociais no regime de acumulação integral, ou seja, analisá-los em seu desenvolvimento na contemporaneidade. Não pretendemos aqui esgotar o assunto, tampouco mostrar todas as suas determinações, mas sim trazer alguns elementos que buscam contribuir com o processo analítico do mesmo. Nesse sentido, apresentaremos uma breve descrição acerca do regime de acumulação integral e uma análise dos os movimentos sociais a partir de algumas de suas determinações.
Palavras-Chave: Movimentos Sociais, Acumulação Integral, Contemporaneidade.

ABSTRACT:
The present text aims to bring an analysis of the dynamics of social movements in the regime of integral accumulation, that is, to analyze them in their development in the contemporaneity. We do not intend here to exhaust the subject, nor to show all its determinations, but to bring some elements that seek to contribute with the analytical process of the same. In this sense, we will present a brief description of the regime of integral accumulation and an analysis of social movements from some of their determinations.
Key-words: Social Movements, Integral Accumulation, Contemporaneity.

RESUMEN:
El presente texto tiene como objetivo traer un análisis de la dinámica de los movimientos sociales en el régimen de acumulación integral, o sea, analizarlos en su desarrollo en la contemporaneidad. No pretendemos aquí agotar el asunto, tampoco mostrar todas sus determinaciones, sino traer algunos elementos que buscan contribuir con el proceso analítico del mismo. En ese sentido, presentaremos una breve descripción acerca del régimen de acumulación integral y un análisis de los movimientos sociales a partir de algunas de sus determinaciones.
Palabras clave: Movimientos Sociales, Acumulación Integral, Contemporaneidad.





* Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Goiás; Mestrando em Sociologia na Universidade Federal de Goiás. Pesquisador do NEMOS – Núcleo de Estudos e Pesquisa em Movimentos Sociais (FCS/UFG).
[1] A Nestlé é líder em vendas no que tange ao engarrafamento de água, representando 8% de todo seu lucro (em 2011 totalizou aproximadamente 68,5 bilhões de dólares).
[3] E também à burocratização (que será tratada no próximo item), mas aqui estamos tratando apenas da mercantilização.
[4] [...] são consideradas Organizações Não Governamentais – ONGs, as entidades que, juridicamente constituídas sob a forma de fundação, associação e sociedade civil, todas sem fins lucrativos, notadamente autônomas e pluralistas, tenham compromisso com a construção de uma sociedade democrática, participativa e com o fortalecimento dos movimentos sociais de caráter democrático, condições estas, atestadas pelas suas trajetórias institucionais e pelos termos dos seus estatutos (cf. <http://www.abong.org.br>. Acesso em 16/11/2016).
[5] No plano concreto, já que no plano do discurso ainda pode existir a ligação para legitimar suas ações.
[6]Sinteticamente podemos dizer que no capitalismo concorrencial há a consolidação, fortalecimento e formalização das burocracias estatais e empresariais (período que vai aproximadamente da revolução industrial até metade do século 19), constituindo a primeira onda de burocratização; no capitalismo oligopolista (período que vai aproximadamente de 1870 a 1945) temos a ampliação da burocracia estatal e empresarial e a emergência da burocracia civil, o que caracteriza a segunda onda de burocratização. No capitalismo oligopolista transnacional (cujo período aproximado é entre 1945 e 1980), ocorre a terceira onda de burocratização, no qual a burocracia invade novos setores da sociedade civil que ainda era pouco presente. No capitalismo neoliberal, ocorre a quarta onda de burocratização, com o aparecimento de novas burocracias civis (ONGs, entre outras) e maior rigidez no controle social” (VIANA, 2016, p. 117).

[7] É neste fenômeno que muitos pesquisadores se confundem. O processo de aparelhamento é feito pelos partidos políticos, já a cooptação é feito pelo Estado ou pelos seus aparelhos que lhe dão sustentação.
[8] “O aloctonismo é uma tendência conservadora por desviar a questão das raízes sociais e da totalidade das relações sociais, isolando o fenômeno (relação entre brancos e negros, homens e mulheres, religiosos e ateus, etc.) e criando um inimigo imaginário que é responsabilizado pelos males do grupo e/ou da sociedade em geral, indistintamente, o que gera um certo maniqueísmo e essencialismo” (VIANA, 2016, p. 70).
[9] O autoctonismo enfatiza “[...] a busca por privilégios e benefícios sem entrar em confronto direto com os grupos autóctones, a não ser em situações específicas. A aloctonia, nesse caso, tem como motivação, ao invés da intolerância (proveniente das classes privilegiadas), o ressentimento, mais comum nas classes dominadas” (VIANA, 2016, p. 71-71).
[10] “A contrarrevolução é predominantemente preventiva e, no mundo ocidental, inteiramente preventiva. Aqui, não existe qualquer revolução recente a desmantelar nem nenhuma existe em gestação. E, no entanto, é o medo da revolução que gera o interesse comum e cria os vínculos entre as várias fases e formas de contrarrevolução. Esta percorre toda a gama desde a democracia parlamentar à ditadura declarada, passando pelo Estado policial. O capitalismo reorganiza-se para enfrentar a ameaça de uma revolução que seria a mais radical de todas as revoluções históricas. Seria a primeira revolução histórica verdadeiramente mundial” (MARCUSE, 1981, p. 11-12).
[11] Ver artigo “MST S/A”: < http://passapalavra.info/2013/04/75172> Acesso em 24 de janeiro de 2016.
[12] Os movimentos sociais, devido as suas características, não possuem condições em suas determinações que aponte para um projeto de transformação social. Nesse sentido, eles não são o sujeito da revolução, já que grande parte dos movimentos sociais são policlassistas (e mesmo sendo monoclassistas, eles agem a partir de interesses grupais, não de classe).
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