Câncer social, Facebook corta na própria carne
Roberto Dias
O Facebook foi muitas vezes rotulado de "buraco negro da internet". Um
ambiente cercado, que aumenta sem parar, invisível para quem está do
lado de fora.
O buraco se tornou imenso. E com ele, foi ficando claro, cresceu um câncer social.
Cresceu tanto que o Facebook resolveu cortar na carne. É disso que se
trata o anúncio feito na noite de quinta (11) por Mark Zuckerberg,
fundador da empresa.
O feed de cada usuário passará a privilegiar conteúdo promovido por amigos, em detrimento das páginas de marcas –como são os veículos de comunicação.
O corte na própria carne é explicitado pelo próprio Zuckerberg: "Quero
deixar claro que, com essas mudanças, espero que o tempo gasto pelas
pessoas no Facebook e algumas métricas de engajamento caiam". As ações
da empresa baixaram quase 5%.
É um movimento defensivo. O Facebook virou a primeira fonte de notícias
para muitas pessoas, e a responsabilidade decorrente disso se mostrou um
fardo grande demais. Sem ter criado mecanismos eficientes para distinguir o que é jornalismo e o que é propaganda mentirosa, a empresa se converteu num problema para a democracia.
As chamadas fake news
envolvem política e dinheiro sujo. Significam colocar Donald Trump na
Casa Branca. Transportam seus executivos para comitês parlamentares de
investigação. Atraem policiais, procuradores e juízes. É compreensível
que o Facebook queira distância de toda essa péssima reputação.
A questão é como fazê-lo.
Os movimentos da empresa contra notícias falsas sempre passaram muito
longe dos lugares-chave para a solução do problema: os motores
financeiro e técnico das mentiras. Porque tocar nesses dois pontos
exigiria mexer no modelo que fez do Facebook uma empresa que fatura mais
de US$ 30 bilhões –e quem é que quer isso?
O que a plataforma fez nos últimos tempos foram coisas que, apesar dos
holofotes, têm consequência reduzida. São bandeirinhas para indicar
notícias questionáveis, cursos sobre a importância do jornalismo,
anúncios explicando onde mora o perigo.
A rede social agora se distancia do jornalismo. Não será um movimento
sem baixas. Muitos veículos de comunicação dependem sobremaneira do
Facebook para ter audiência. Em alguns países o ecossistema inteiro do
jornalismo pode ser afetado.
Com a palavra, o próprio Zuckerberg, só que o Zuckerberg de um ano
atrás: "Uma indústria de notícias forte é decisiva para uma comunidade
informada. Dar voz às pessoas não é suficiente se não houver pessoas
dedicadas a buscar informações e a analisá-las. Há mais coisas que
precisamos fazer para apoiar a indústria jornalística e fazer com que
essa função social vital seja sustentável".
Essa máscara caiu com o anúncio de agora. Ler notícias, diz o Zuckerberg
deste ano, "tem sido muito frequentemente apenas uma experiência
passiva". Neste momento, ele quer "interações sociais significativas".
Concepção que envolve uma régua sobre o jornalismo, como notou Joshua
Benton, diretor do Nieman Lab, centro de estudos sobre a mídia: "A ideia
de que a importância de uma notícia é definida pelos comentários, que
não há valor em receber uma informação sem antes entrar num debate com
seu tio, isso é na verdade uma declaração profundamente ideológica".
Assim, e paradoxalmente, um efeito possível de imediato é que as
notícias falsas ganhem espaço, ficando relativamente mais visíveis no
newsfeed das pessoas. É muito mais fácil interagir com uma mentira
divertida sobre Bolsonaro do que encarar uma reportagem dissecando seu
patrimônio. Bem capaz de vir mais Flá-flu por aí.
No buraco negro de Zuckerberg, parece não haver lugar para o bom
jornalismo. No curto prazo, certamente é péssima novidade para muita
gente da minha profissão. Olhando um pouco mais adiante, talvez seja uma
ótima notícia para a sociedade. Ter um ator tão poderoso em algo
importante como o jornalismo nunca foi bom.
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